Correio Braziliense
postado em 30/01/2020 04:06
Ficou famosa uma foto, da década de 1960, do então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, cercado por presos no pátio do presídio da Frei Caneca tentando debelar uma rebelião. Difícil dizer se fez da coragem marketing político ou se foi sincero respeito aos detentos, pois restam poucas testemunhas desse tempo e, menos ainda, pessoas que conviveram com o polêmico líder, únicas capazes de definir a verdadeira intenção.
Gostaria o governador Wilson Witzel de deixar a mesma dúvida sobre o telefonema que deu para o vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência, pedindo recursos para o estado do Rio lutar contra as enchentes causadas pelas fortes chuvas. Não conseguiu. Tentou justificar a filmagem e a divulgação afirmando que se tratava de dar satisfação à população aflita, mas era visível a marquetagem.
Witzel gostaria de ser o Lacerda dos tempos atuais, mas, ao governador do estado do Rio, faltam alguns atributos. Empatia é um desses. Lacerda foi figura central na crise de agosto de 1954, que levou Vargas ao suicídio, mas, poucos anos depois, era eleito governador da Guanabara com uma expressiva votação. Witzel trocou a magistratura pelo Palácio Guanabara surfando na onda neorreacionária e antipolítica, que vendeu à sociedade exausta uma proposta de austeridade e firmeza.
Lacerda tinha um projeto de poder, algo que falta a Witzel. Se o então governador da Guanabara buscou pavimentar uma candidatura presidencial com obras como o Aterro do Flamengo — que, do ponto de vista urbanístico, integrou a cidade do Rio de Janeiro e ainda legou ao carioca um ambiente de encontro e convivência —, os números da conflagração social do Rio atentam contra a pretensão de Witzel. A política que propõe a brutalidade policial como arma eficaz contra a criminalidade apenas mobiliza os valentões das redes sociais, pois, a rigor, somente neste começo de 2020, já baleou duas crianças — e matou seis em 2019. O “tem que acertar na cabecinha” parece preferir as dos inocentes.
Rumo político também faz de Lacerda e Witzel figuras antagônicas. A musculatura golpista do primeiro era demonstrada às claras, sem subterfúgios, a ponto de ter sido cassado pelos próprios militares que ajudou a colocar no poder. O segundo recorre a teorias conspiratórias, como a de que uma sabotagem na Cedae turvou a água bebida pelo cidadão fluminense. Por trás estaria a suposta manobra para inviabilizar a privatização da companhia de água e esgoto, o que daria argumento político aos seus adversários.
Lacerda, com todos os defeitos e dúvidas que marcaram sua carreira, foi um antagonista que conseguiu reunir Jango e JK na Frente Ampla contra a ditadura. Witzel não teve tempo para tanto, mas já há dúvidas se terá envergadura para aglutinar pensamentos tão diferentes e ir longe na vida pública.
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