Correio Braziliense
postado em 04/02/2020 04:08
Alguns setores do governo de Jair Bolsonaro têm problemas com os avanços civilizatórios. Chegamos ao segundo ano da sua presidência intoxicados, sobretudo na seara da intelectualidade. Um expressão sem qualquer sentido, o tal “marxismo cultural”, foi cunhada para justificar um desfile de retrocessos. O país emburrece quando leva o terraplanismo a sério — Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong pensariam ser isso alguma piada de mau gosto. Também tacharam o comportadíssimo rock de vetor do aborto e do satanismo. Houve quem visse a escravidão como algo benéfico para os negros. Enxergaram um insidioso comunismo pronto para subjugar toda a América do Sul. Até uma delirante parceria de Adorno com Lennon e McCartney foi debatida.
O ridículo não foi apenas ridículo por conter em si a bisonhice, mas por ter pretensões filosóficas. Faltava um representante do criacionismo, teoria que contesta o darwinismo e que atribui a Deus a vida, a evolução e o fato de termos chegado até aqui. Não falta mais. O comando da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, entidade ligada ao Ministério da Educação, foi entregue a Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Makenzie.
Não discuto sua capacidade como gestor tampouco sua formação acadêmica. Estranho é sua presença à frente de um centro de fomento à pesquisa, cuja página na web (www.capes.gov.br) diz promover, entre outras coisas: “acesso e divulgação da produção científica; investimentos na formação de recursos humanos de alto nível, no país e exterior; (e) promoção da cooperação científica internacional”.
Os estudos científicos, desde a Antiguidade, explicam vários fenômenos e alterações da natureza pela aritmética, pela álgebra, pela química, pela física, pela astronomia, e muito mais. Não existe qualquer registro de que alguma conquista do homem tenha sido concebida pela mão de Deus — deixo registrado aqui que defendo e respeito toda e qualquer fé. Galileu, Keppler e Copérnico contestaram o heliocentrismo, que trazia em seu bojo uma grande carga religiosa, e somente foram calados pela brutalidade. O “Eppur si muove” deixou de fazer sentido? Ciência e religião não são compatíveis.
O presidente da Capes se apresenta como um homem de diálogo. Ótimo que seja assim, embora a revista Science tenha registrado a clara inadequação entre pessoa e cargo. Cética, salientou que “deixou cientistas preocupados sobre a interferência da religião na ciência e na política educacional”. Porta-voz da comunidade científica internacional, a preocupação da publicação da Associação Americana para o Avanço da Ciência deve ser considerada. A presença de Benedito à frente da Capes parece tão coerente quanto colocar como responsável pelo Programa Nacional de Imunização, um defensor do movimento antivacinação. E, antes que tomem ao pé da letra, acabo de fazer uma ironia, e não uma sugestão.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.