Opinião

Artigo: reforma da Previdência, a discussão ainda não terminou

O texto aprovado pela PEC 06/2019 contempla apenas os trabalhadores civis e os servidores do governo federal, enquanto a reforma que discute as mudanças na Previdência de estados e municípios ainda está em tramitação

Correio Braziliense
postado em 10/02/2020 04:05
Ao contrário do que se acredita, a reforma da Previdência ainda não chegou ao fim. O texto aprovado pela PEC 06/2019 contempla apenas os trabalhadores civis e os servidores do governo federal, enquanto a reforma que discute as mudanças na Previdência de estados e municípios ainda está em tramitação. A chamada PEC Paralela foi votada no Senado no fim de 2019 e, agora, aguarda apreciação na Câmara dos Deputados.

O texto aprovado pela PEC 06/2019 contempla apenas os trabalhadores civis e os servidores do governo federal, enquanto a reforma que discute as mudanças na Previdência de estados e municípios ainda está em tramitaçãoO motivo de toda essa movimentação merecer atenção redobrada se deve ao fato de que a inclusão dos estados e municípios na reforma da Previdência traria uma grande economia para o setor público: cerca de R$ 350 bilhões em 10 anos, ou seja, quase metade do valor estimado na PEC 06. No entanto, assim como nem tudo que reluz é ouro, ainda que apresente uma grande economia global, a PEC Paralela traz consigo outras medidas que, em relação à Previdência da União (RGPS e RPPS), podem resultar em uma redução considerável dessa economia.

Isso porque o texto comporta medidas com grande impacto fiscal, como a flexibilização das regras de cálculo da pensão por morte e a adoção de uma regra de transição para o aumento da base contributiva de 80% para 100% das contribuições. Apenas a combinação dessas duas medidas faz com que a economia da Reforma da Previdência caia em R$ 50 bilhões em 10 anos.

Há ainda outras diversas medidas com baixo impacto que, juntas, causam um prejuízo de outros R$ 50 bilhões. Um exemplo é a flexibilização da regra de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente e a flexibilização da regra de transição para a mulher que vive nas cidades que se aposenta por idade. Dessa forma, se vão quase R$ 100 bilhões da Reforma da Previdência, o que será sentido principalmente pela União. Ou seja, um grande retrocesso após todo o difícil processo de aprovação da PEC 06/2019.

Para além da inclusão de estados e municípios, a PEC Paralela traz outras medidas importantes para o aumento da arrecadação, como a reoneração do agronegócio e das empresas no Simples. No entanto, a pressão do agronegócio e das empresas do Simples tem grande chance de reverter o aumento de contribuição presente no relatório da reforma. Além disso, há o risco de, durante a tramitação da PEC Paralela, ocorrerem novas flexibilizações de regras, como ocorreu na pensão por morte e aposentadoria por incapacidade permanente, diluindo ainda mais o impacto fiscal da reforma.

Diante de todo esse cenário, a situação que se desenha para a votação da Câmara não é nada animadora. A relação do governo com o Congresso é mal avaliada pelos próprios parlamentares. De acordo com os dados divulgados pela última pesquisa da XP Política, caiu de 68% para 56% a quantidade de deputados que consideram esse relacionamento ótimo ou bom, isso excluindo os parlamentares de oposição.

Além disso, o Senado, casa onde a PEC foi aprovada, tem uma relação maior com os interesses estaduais, enquanto a Câmara dos Deputados é mais ligada aos interesses de grupos. Esta situação aumenta ainda mais as chances de os aumentos de receita serem retirados durante a tramitação na Câmara, além de haver maior flexibilização de regras, reduzindo consideravelmente o impacto fiscal da reforma.

Outra questão a ser considerada é que, enquanto a maior economia da PEC Paralela vem da inclusão dos estados e municípios, as flexibilizações que reduzem a economia da Reforma recaem principalmente sobre a União. Em outras palavras, sem a reoneração do agronegócio e das empresas do Simples, a perda de economia chega a mais de R$ 50 bilhões, podendo aumentar ainda mais com as emendas a serem votadas.

A PEC Paralela parece ter em si um brilho dourado. Há de se analisar, no entanto, se seu conteúdo será de fato ouro ao final da última votação. Tal iniciativa dos parlamentares de introduzir medidas que neutralizam os benefícios de várias mudanças da PEC 06/2019 mostra como pode ser forte a resistência de certos grupos da população contra avanços da sociedade, tal como foi a reforma da Previdência.

Daniel Duque é mestre em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), pesquisador da FGV-RJ, PUC-RJ e assessor técnico do CLP — Liderança Pública sobre a PEC Paralela

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