Opinião

Artigo: Barbáries em série

Que sentimento devastador, de impotência, saber que outra criança foi trucidada

Correio Braziliense
postado em 15/02/2020 04:14
Júlia, assassinada aos 2 anos e 2 mesesEu tinha em mente um outro tema para o texto desta semana, mas o assunto se tornou menor diante de mais uma barbárie cometida no Distrito Federal. Que sentimento devastador, de impotência, saber que outra criança foi trucidada. Júlia, de 2 anos, deveria estar segura dentro de casa, mas foi lá mesmo que a covardia a alcançou. A homicida, a própria mãe. Diz a polícia que a algoz levantou de madrugada, levou a filha para a cozinha e tentou desferir a primeira facada próxima ao pescoço. Como não teve êxito, a menina acordou e começou a chorar. A assassina então a sufocou e a golpeou com a faca duas vezes no tórax. Como é possível, meu Deus, tamanha crueldade?

A história ainda está nebulosa. A mãe da homicida contou que ela é usuária de drogas, motivo pelo qual a expulsou de casa. Também relatou que a filha não tinha vínculo afetivo com a criança. Razões, penso eu, para que se acionasse o Conselho Tutelar, que poderia avaliar se a menina corria algum tipo de risco. Mas um tio disse que a assassina era carinhosa com a garotinha, declaração respaldada pelas postagens que ela fazia nas redes sociais, jurando amor eterno à criança. O que não resta dúvida é sobre o grau de perversidade do crime. O pai da menina teria dito que articulava com a ex-sogra para conseguir a guarda da filha. Salvação, infelizmente, que não chegou a tempo.

Na semana passada, escrevi aqui sobre a nossa total incapacidade de evoluir na proteção às crianças, que elas continuam sujeitas a todos os tipos de violência e que o perigo maior está, principalmente, dentro de casa. Também expressei minha desolação com o fato de certos tipos de mulheres — e de homens — não terem nascido estéreis. Está aí essa atrocidade em Vicente Pires para justificar a minha lamentação.

Júlia entra para a aterradora lista de crianças massacradas no DF, do ano passado para cá, em crimes cometidos por pessoas da própria família. Nela estão também a menina de 7 anos, de Planaltina de Goiás, espancada até a morte pela tia e pelo namorado dela; Bernardo, de 1 ano, sequestrado e assassinado pelo pai, no Plano Piloto, com uma superdosagem de medicamento; e Rhuan Maycon, 9, martirizado por longos anos, mutilado e, por fim, morto e esquartejado pela mãe e pela companheira dela, em Samambaia. Nesses três últimos casos, houve falhas da Justiça, de parentes das vítimas ou de vizinhos e conhecidos, que culminaram nas barbáries.

Crimes hediondos que continuarão desenfreadamente enquanto não nos conscientizarmos de que é dever nosso e do Estado zelar pela segurança de crianças e adolescentes, denunciando maus-tratos, parando de virar as costas diante da violência contra eles. Todos nós temos de integrar a rede de proteção. Quando nos omitimos, são os inocentes que pagam, inclusive, com a própria vida.
 

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