Opinião

As inundações promovidas pelo Estado

Correio Braziliense
postado em 16/02/2020 04:05
Quem achar que em 2020 as enchentes estão piores no Brasil, basta fazer uma pesquisa na internet, colocando a palavra “enchente” seguida de um ano qualquer. As notícias sairão aos montes, revelando situações dramáticas nas mais variadas cidades do país.Esse é um dos nossos problemas crônicos, consequência dos processos desordenados de urbanização, que levam à ocupação de áreas de várzeas dos cursos d’água e à excessiva impermeabilização do solo.

As enchentes em áreas ribeirinhas, como as que acabam de assolar a cidade de São Paulo ao longo dos rios Pinheiros e Tietê, têm causas muito bem conhecidas. Decorrem do fato de um rio qualquer simplesmente ocupar seu leito maior, que sempre existiu como área de inundação natural. Os impactos sobre a população são causados não porque o rio transbordou, mas porque sua várzea foi inadequadamente ocupada e transformada em área urbana.

Essas situações, que tantos danos trazem à sociedade, têm origem na inexistência ou não respeito às restrições para implantação de loteamentos em áreas de risco de inundação, que devem estar previstas no plano-diretor urbano de qualquer cidade brasileira. Normalmente, mesmo que haja a proibição, uma sequência de anos sem que o rio transborde é razão suficiente para que essas áreas sejam irregularmente ocupadas e, muitas vezes, em vez de serem prontamente revertidas, são simplesmente regularizadas pelos governos municipais de olho na cobrança do IPTU.

Outro agravante para as enchentes, que também tem, ou deveria ter, diretrizes muito claras nos planos diretores, diz respeito à excessiva impermeabilização do solo por meio de telhados, ruas, calçadas e pátios, entre outros. Com isso, parte importante do volume de água das chuvas que se infiltrava natural e lentamente na terra, passa a correr sobre as áreas impermeáveis, aumentando o volume e a velocidade do escoamento superficial.

A consequência é o aumento intenso e brusco da água nos cursos d’água, elevando seus níveis e, por consequência, ampliando as áreas de inundação. É sinergia dos problemas causados por dois dos mais elementares erros da urbanização mal planejada e, portanto, desordenada, que aumenta a tragédia dos cidadãos.

Essas informações não são novas ou desconhecidas. Ao contrário, estudos de companhias de seguros estimam que inundações, enchentes urbanas e escorregamentos de terra devido às chuvas causaram prejuízos estimados em torno de US$ 250 milhões anuais à população brasileira entre 2000 e 2011. Segundo o IBGE, o Brasil possuía 8,3 milhões de pessoas morando em áreas com risco de desastres naturais em 2010. Hoje esse número é muito maior.

As notícias dos danos causados à sociedade por esses erros decorrentes da omissão ou ineficiência do poder público são ainda mais graves quando circulam informações de que os poucos recursos destinados a evitar ou minimizar os impactos não são sequer aplicados na totalidade.

Para dar como exemplo São Paulo, em 2017, informações apuradas pela imprensa revelaram que a administração do então prefeito Doria gastou apenas 33% do orçamento disponível contra enchentes e, até março de 2018, um mês antes de ele sair como candidato ao governo do estado, tinha gasto menos de 2% do que estava previsto. Em 2019, já sob o comando do prefeito Covas, foram gastos apenas 48% dos R$ 973 milhões orçados.

Com certeza, pesquisa nas demais cidades brasileiras mostrará que a incapacidade de prevenir problemas tão bem conhecidos e a ineficiência na aplicação dos recursos disponíveis para evitá-los se repetirão na imensa maioria delas. A explicação para isso está na característica da atuação do poder público no Brasil: baixíssima capacidade de planejamento e a eterna atuação nas consequências, quase nunca nas causas.

É inadiável que os cidadãos, especialmente os diretamente prejudicados pela inoperância do poder público, passem a exigir na Justiça a reparação e a eficiência na prevenção. Para isso, basta recorrer à Constituição, que prevê no artigo 37, § 6º, que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestador de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Somente quando o exercício da cidadania passar a ser exercido com rigor pela sociedade brasileira, responsabilizando os agentes públicos pelos atos omissivos (por omissão) ou comissivos (por ação), que geraram danos materiais ou morais à população, essa realidade poderá começar a mudar. Até lá, nossos dirigentes seguirão agindo em função das futuras eleições e nunca das presentes e futuras gerações.

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