Opinião

Artigo: Folia e política

Correio Braziliense
postado em 18/02/2020 04:06

Carnaval e política não costumam desfilar muito bem na avenida. Em princípio porque a alegria dos foliões é incompatível com a suposta austeridade dos homens públicos. Ora, como exigir que o reinado de Momo obedeça às convenções, respeite as diferenças, desperte a consciência dos cidadãos, defenda a moral e os bons costumes? O carnaval, como se sabe, tem na sua origem pagã o espírito de subversão, o escracho popular em oposição à fina nobreza, o suor das massas em contraste com o perfume das elites, a licenciosidade antes do jejum espiritual da tradição pascal. É conhecida também, no período de carnaval, a inversão de papéis sociais: homem vira mulher, mulher vira homem, todos se disfarçam para revelar o lado oculto, o segredo oprimido, a verdade que não pode ser dita ao longo do ano.

Assim, soam fora do compasso tentativas de enquadrar politicamente a manifestação popular, em particular quando partem de personalidades de reputação tão abalada como políticos ou patrulha fervorosa. Se por um lado as críticas provenientes da arquibancada dos poderosos e dos militantes virtuais se esvaem no vazio internético, há por outro lado diversos exemplos de como o carnaval expressa o sentimento do povo que, uma vez por ano, pode cantar na passarela a alegria e a tristeza de ser... povo. Uma das grandes polêmicas está reservada para o Rio de Janeiro, onde diversas escolas de samba compuseram o enredo com temas políticos, como intolerância religiosa, violência, armas e fake news. Quer mais consciência política do que isso na avenida?

Nessa onda do politicamente correto, costumam perder-se no baile considerações sobre a indumentária dos artistas, tal como aconteceu esse fim de semana com a atriz Alessandra Negrini. Para quem não acompanhou, ela foi alvo de críticas porque exibiu uma fantasia em homenagem aos povos indígenas na Acadêmicos da Rua Augusta, em São Paulo. Eu pergunto, caro leitor: qual é o problema de uma artista desfilar com motivos genuinamente brasileiros, na festa mais autêntica do Brasil?

Se for o caso de falar de política no reinado momesco, então vamos tratar de problemas reais e frequentes nos dias a seguir: violência contra as mulheres, exploração sexual, prevenção às DSTs, consumo de drogas ilegais e álcool no trânsito. E vou além: passada a quarta-feira de cinzas, convém moralizar a vida pública no restante do ano, pois não faltam exemplos em que a corrupção, a maior das tragédias nacionais, retira toda a graça da sociedade brasileira.

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