postado em 18/02/2020 04:07
O Brasil político destes dias se apresenta cheio de novidades comportamentais. O presidente da República produz uma crise por semana. Ele é sua própria oposição. Caso único no mundo. Seus filhos atacam personalidades públicas e se constituem uma espécie de guarda pretoriana do grande chefe. Eles decidem quem fica e quem sai no centro do poder. Convivem com surtos de paranoia. Há inimigos por todos os lados. É preciso estar sempre vigilante. E agredir sempre.
Na verdade, o presidente da República gosta de manipular a imprensa. Ele assume declarações estapafúrdias e, depois, curte os resultados. Ele se divertiu com essas atuações teatrais até com jornais estrangeiros. Certa vez brincou com amigos porque foi citado na primeira página do jornal norte-americano The New York Times como um político de direita, reacionário e contrário à proteção do meio ambiente. Ele riu e curtiu seu momento.
As declarações de Bolsonaro não mexem mais com o humor dos brasileiros, nem com as preocupações dos investidores na Bolsa de Valores. No dizer dos financistas, as barbaridades ditas pelo chefe do governo estão precificadas. Não modificam as cotações das ações no mercado. Ele agride jornalistas, organizações não governamentais, comunistas, esquerdistas, socialistas e governantes que não rezam pela sua cartilha. Um repórter ousou perguntar a ele onde estava o famoso Queiroz. Resposta foi fulminante: ‘‘Com a sua mãe’’.
A jornalista Thaís Oyama caprichou no perfil do presidente brasileiro. Vale a pena ler seu livro, cujo título é Tormenta, o governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, Companhia das Letras. Naturalmente, ela entrou na lista de adversários do presidente. Foi chamada de japonesa, como se fosse demérito. Na realidade, ela nasceu em Mogi das Cruzes, São Paulo. É tão brasileira quanto Bolsonaro, descendente de migrantes italianos.
Novidade é perceber que o superministro Paulo Guedes, liberal assumido (há controvérsias sobre o assunto entre os economistas), tenha se enamorado pelo som de sua própria voz. Ele argumenta bem, em português e inglês. Encanta, convence, usa e abusa da ironia. Às vezes, esquece as lições de civilidade na sua juventude em Belo Horizonte e ultrapassa a barreira do bom senso. Cria problemas inacreditáveis para uma pessoa com sua experiência. Insultar os funcionários públicos não é inteligente, razoável, nem produz nada além de irritação. Os parasitas vão se vingar. Não esquecem facilmente.
Pior é revelar seu horror diante do fato de que pobres viajam para conhecer o Mickey, em Orlando. Afirma que o preço elevado do dólar é positivo e que os brasileiros deveriam conhecer praias do Nordeste e a Foz do Iguaçu. Declarações estranhas. Dólar alto é bom para quem exporta. Ruim para quem importa. Péssimo para a população em geral, porque os insumos na indústria e no comércio aumentam na mesma proporção. Além disso, viajar pelo Brasil é tão caro quanto fazer turismo no exterior.
Autoridades gostam de aparecer no Brasil destes dias. Há um frenesi de fazer declarações contundentes e postar mensagens eletrônicas. Ministros de tribunais superiores concedem entrevistas e falam abertamente sobre todos os assuntos, inclusive aqueles que serão analisados por eles nos julgamentos. Antecipam votos. Ministro da Fazenda fala sobre cotação do dólar, tema delicadíssimo que somente é tratado em situações especialíssimas pelo presidente do Banco Central.
Guedes falou num dia e o mercado respondeu no outro. A moeda norte-americana, que estava em patamar elevado, levantou voo. Foi longe. Assustou o mercado porque Guedes é o termômetro da situação nacional. As reformas estruturais estão estacionadas. A tributária não apareceu até hoje. A administrativa é uma promessa. O crescimento econômico é discreto, menor que 1%. O capital estrangeiro saiu do país em níveis espantosos. Algo na faixa de 60 bilhões de dólares. A prometida abertura da economia não ocorreu até agora. E a privatização até agora resultou apenas na venda de duas residências funcionais em Brasília.
Tudo muito tímido. Apenas o setor de infraestrutura corre solto dentro do planejamento realizado pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas quando integrou o governo Temer. Novidade mesmo neste 2020, até agora, é o novo estilo de Paulo Guedes, pleno de ironias dedicadas a quem ele terá que negociar. Não parece ser boa política. Melhor se preocupar em reduzir o desemprego e fazer com que as empregadas possam, de fato, conhecer o Mickey.
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