Correio Braziliense
postado em 24/02/2020 09:45
O gérmen das milícias que infernizam as periferias do Rio de Janeiro e substituem o Estado data do fim da década de 1960. As organizações nasceram de esquadrões da morte, no seio da ditadura militar. Esses esquadrões ainda existem. Surgem lá e cá, compostos, principalmente, por policiais militares que agem ao arrepio da lei. Perseguem, sequestram, torturam e matam. Após o golpe de 1964, sob o regime dos generais, porém, essa estrutura foi levada para junto do Estado.
Embora diferentes, esses primeiros grupos contêm os ossos da milícia que conhecemos hoje. Trata-se de uma história evolutiva, orgânica e, infelizmente, nutrida por forte suporte estatal. Tive a oportunidade de compreender a sequência de acontecimentos após entrevistar o professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro José Cláudio Souza Alves, autor do livro Dos barões ao extermínio, uma história da violência na baixada fluminense. O telefonema, feito no início da noite, perto da hora de fechamento do jornal, completará um ano daqui a 24 dias.
À época, falamos da prisão do policial reformado Ronnie Lessa e do comparsa, Élcio Vieira de Queiroz, acusados de matar a vereadora Marielle Franco. A ação policial resultou, ainda, na apreensão de centenas de fuzis desmontados na residência de um amigo de Lessa. Outro efeito da operação deflagrada a dois dias de a morte da vereadora completar um ano foi o avivamento de perguntas ainda sem respostas. Quem mandou matar Marielle e seu motorista, Anderson? E por quê?
Voltando às milícias, José Cláudio esclarece que, em 1967, aqueles esquadrões da morte abraçados pelo Estado militar tornaram-se uma força repressiva de apoio à PM carioca. Na década de 1970, esses grupos passam a agir abertamente e, nos anos de 1980, com o fim do regime militar, começam a agenciar civis em busca de um caminho para a política, de volta para a estrutura do Estado. A partir de 1990, esses civis disputaram cargos de vereadores, deputados estaduais e prefeitos pela Baixada Fluminense.
Novamente dentro das estruturas de poder, a partir dos anos 2000, milicianos ganham o formato que conhecemos: grupos compostos de policiais, membros do judiciário e políticos com poder para fornecer serviços monopolizados pelo controle paramilitar de bairros e para aterrorizar e matar aqueles que discordam ou denunciam suas ações. Marielle nasceu no Rio de Janeiro, em 27 de julho de 1979. Cresceu enquanto essa estrutura se desenvolvia. Foi vítima de um processo que começou com o aval de militares no poder. Em um Estado democrático de direito, não se admite exilados nem presos ou crimes políticos. A morte da vereadora, no entanto, permanece sem resposta há 712 dias.
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