Opinião

Agenda para o papa

Correio Braziliense
postado em 25/02/2020 04:16
O papa Francisco demonstrou humanismo ao receber o ex-presidente Lula com a finalidade de ouvir proposta para enfrentar a tragédia da pobreza e da desigualdade no mundo. Mas notícias sobre o encontro entre os dois líderes não nos disseram qual foi a proposta concreta apresentada pelo ex-presidente. Ficou a sensação de que se tratou apenas de vaga ideia sem sugestão de ações. O ex-presidente Lula poderia ter levado a proposta de um programa de Bolsa Escola/Família financiado pelos ricos do mundo, governos e indivíduos, dirigido aos pobres da América Central e da África, hoje obrigados pela miséria a emigrarem para os Estados Unidos ou Europa. Com uma bolsa de US$ 100 por mês seria possível manter a família em seu povoado. Com pouco mais de US$ 1 bilhão por ano, seria possível manter um milhão de famílias, cinco a seis milhões de pessoas. Vinculando a bolsa à obrigação de cuidar das crianças na escola, o papa estaria liderando um movimento mundial que em uma geração levaria à superação da pobreza. Para isso, seria necessário que os indivíduos e países ricos investissem US$ 2 bilhões a mais diretamente na educação, para 10 milhões de crianças. Vale lembrar que o valor corresponde à porcentagem insignificante do patrimônio das 100 pessoas mais ricas do mundo. Um só empresário, Jeff Bezos, acaba de anunciar a doação pessoal de US$ 10 bilhões para campanhas contra o aquecimento global. Lembrando que só o Brasil gasta sozinho US$ 10 bilhões com um programa similar para a população, Lula poderia ter apresentado projeto ainda mais ambicioso para atender não apenas 1 milhão de pessoas, mas 100 milhões, ao custo de US$ 200 bilhões por ano. O papa teria uma bandeira concreta: convencer os ricos e os líderes do mundo a formarem um fundo internacional para aliviar a pobreza e reduzir a desigualdade e, ao mesmo tempo, frear movimentos migratórios %u2014 maneira humanista de proteger as fronteiras, usando a ponte do bolsa escola/família no lugar de muros e barreiras. O ex-presidente Lula estaria na posição privilegiada de propor para o mundo uma ideia iniciada no Brasil e testada aqui, no México e em outros países. Para dar mais força à ideia, no interesse dos pobres do mundo, deveria formar uma frente e levar ao papa os ex-presidentes que implantaram programas similares, antes mesmo do Bolsa Família, como os ex-presidentes Fernando Henrique, do Brasil, e Ernesto Zedillo, do México. Se realmente o interesse são os pobres do mundo, Lula precisa melhorar a proposta, reunir uma base nacional e internacional de apoio à ideia, levar sugestões concretas de como fazer, de quanto vai custar e de onde virá o dinheiro para realizar a intenção de aliviar a pobreza e reduzir a desigualdade que cresce no mundo. Seria proposta com a força do internacionalismo e do suprapartidarismo, levando a voz do Brasil para uma bandeira a serviço da humanidade. Ao voltar do Vaticano para o Brasil, o ex-presidente deveria propor a todos os líderes brasileiros, não só aos militantes de seu partido, que nos unamos para vencer a continuidade da pobreza e impedir que a desigualdade continue crescendo no Brasil, ao redor de nós. Que continuemos a caminhar para um grande pacto pelo fim do analfabetismo e pela universalização do saneamento, com a adoção federal da educação de base nos municípios pobres. Afinal, se não fizermos nosso dever de casa, como vamos ter credibilidade para levar ideias ao mundo? Embora essa fosse a principal razão do encontro, Lula deveria ter levado também uma proposta para enfrentarmos o problema ambiental: um movimento contra a produção de veículos privados de transporte, especialmente movidos por combustível fóssil; outro movimento em defesa de todas as florestas do mundo; a reorientação de financiamentos internacionais para a promoção da saúde, da educação, ciência e tecnologia nos países pobres.O encontro foi uma grande iniciativa de ambos, Lula e o papa. Faltou passar a ideia de que a intenção era realmente a humanidade.

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