Opinião

Artigo: Coronavírus - Atualização econômica

A questão é que as consequências econômicas já têm se mostrado não triviais. Em um primeiro momento, o impacto maior se deu em serviços como restaurantes, cinemas, teatros. Além disso, as vendas no varejo caíram

Correio Braziliense
postado em 26/02/2020 12:58
A questão é que as consequências econômicas já têm se mostrado não triviais. Em um primeiro momento, o impacto maior se deu em serviços como restaurantes, cinemas, teatros. Além disso, as vendas no varejo caíramDesde que a epidemia do Coronavírus começou a se disseminar na China, se percebeu que seu impacto econômico viria mais das medidas usadas para combatê-la do que dos efeitos da doença em si. Nas últimas semanas, essa visão tem se solidificado.

Em termos dos números da epidemia, ela segue mais concentrada na Ásia, em especial na China, mas nos últimos dias, vários casos surgiram na Itália, onde já houve dez mortes, e em países como Irã e Coreia do Sul, com 16 e 10 mortes, respectivamente. Há um risco crescente de uma epidemia global. Dos 80.341 casos confirmados quando eu escrevia este artigo, 77.660 (96,7%) tinham sido registrados na China. Das 2.707 mortes, apenas 44 foram fora da China. Dentro desta, por sua vez, também há grande concentração na província de Hubei, onde o vírus surgiu e onde ocorreram cerca de três quartos das mortes.

É verdade que muitos desconfiam se os números na China estão subestimados. O argumento que li contrário a isso observa, corretamente, que, se no início poderia ter havido um incentivo para isso, atualmente, com a magnitude e a impopularidade das medidas tomadas pelo governo chinês, há todo interesse em mostrar que as medidas são necessárias. O que essa mesma análise argumenta, porém, é que, considerando que a mortalidade tem sido mais alta na China que fora dela, e em Hubei que em outras províncias, talvez haja um problema de amostragem: como a doença é pouco mortal para os mais jovens, e com os hospitais em Hubei lotados de doentes graves, os jovens infectados podem preferir não buscar a rede médica e se tratar sozinhos. Nesse caso, só iriam para o hospital quando, e se, seu quadro de saúde se agravasse.

Os números oficiais mostram que a quarentena forçada está dando resultado: o número de novos casos tem caído e a tendência é que o total de pessoas infectadas atinja um pico em março e depois comece a cair. Essa também é a promessa do governo chinês.

A questão é que as consequências econômicas já têm se mostrado não triviais. Em um primeiro momento, o impacto maior se deu em serviços como restaurantes, cinemas, teatros e parques de diversões, no transporte, e em alojamento. Além disso, as vendas no varejo caíram, afetando fabricantes de bens de consumo, em especial os de luxo. As vendas de automóveis também caíram na China: 92% nas duas primeiras semanas de fevereiro. Por fim, sofrem os que vivem às custas do turista chinês, dentro e fora do país (os cassinos de Macau, por exemplo). No Japão, o setor de serviços entrou em contração em fevereiro, entre outras coisas, devido à queda no turismo vindo da China. Na Austrália, são as universidades, com 200 mil alunos chineses, que sofrem.


Só que agora, algumas semanas depois de iniciada essa grande quarentena, outros efeitos indiretos e potencialmente mais impactantes começam a ser sentidos. Primeiro foram as empresas que dependem de produtos e componentes fabricados na China. Como as pessoas não vão trabalhar, não há novos produtos. Acabados os estoques, as empresas que dependem deles estão sofrendo. Isso vai das empresas automobilísticas à Apple.


Segundo, como as empresas não abrem, e também não produzem, não vendem. Como não têm receita, também não conseguem pagar seus funcionários, nem honrar suas dívidas. O drama social de dezenas de milhões de trabalhadores sem receber salários é não trivial. E a saúde do setor financeiro também está ameaçada, pois a China é um país com empresas muito alavancadas financeiramente.


A duração dessa espécie de quarentena nacional é, portanto, o elemento crítico na estratégia adotada pelo governo chinês. De um lado, ele não vai querer ficar mal de, depois de tantas perdas, simplesmente abandonar sua estratégia para que a economia volte a rodar. De outro, há um tempo limitado em que ela pode ficar parada. O governo vem tentando compensar isso com medidas diversas de estímulo. Inclusive, promete atingir as metas de crescimento para o ano. Mas é uma situação desafiante.


Com o vírus aparecendo em outros países, que também adotam medidas de quarentena, o impacto econômico também se multiplicará. A curto prazo, os setores de turismo e aviação vão ser muito impactados. Com o tempo, os outros impactos que se observam hoje na China também se espalharão. O risco de uma forte desaceleração do PIB mundial é grande. A médio prazo, essa crise de saúde pública pode acelerar ainda mais o processo de reversão da globalização que já vinha em curso.

*Coordenador de economia aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRG

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