Opinião

Artigo: O vírus do fim do mundo

Correio Braziliense
postado em 02/03/2020 04:05
O novo coronavírus, em  si, já seria motivo para apreensão e angústia no mundo inteiro. Mas o fato de o aparecimento da doença ocorrer em plena era das redes sociais parece amplificar em escala inimaginável a dimensão do problema. Em tempo real, segundo a segundo, parece existir um incontrolável êxtase na corrida para informar que o número de mortos e infectados aumentou, que não há como deter o vírus exterminador, que ele acaba de chegar a mais um país, que a economia vai degringolar e mergulharemos todos na mais grave crise de todos os tempos.

Quanto mais navego na internet, mais me convenço de que não há salvação. E angustia-me a sensação de que há um gozo perverso nas pessoas em informar que o fim do mundo está próximo... O alvoroço se espalha: "Ai, Meu Deus! Agora chegou à África", diz um. "Se chegou à África, já era", sentencia outro. Houve uma época em que me divertia quando via gente na rua carregando placas em que se lia: "O fim do mundo está próximo. Só Jesus salva!" Desta vez, ninguém parece mais acreditar que o coronavírus será mais uma dessas catástrofes que a humanidade, mesmo a duras penas, conseguirá deter, como no caso do H1N1, da zika, da peste negra, da gripe espanhola...  

Dá para notar que existe, também, aqueles que sentem imenso gozo político em torcer para que o novo coronavírus faça o maior estrago possível no mundo. A tese insana dessa gente é que há a possibilidade de o vírus estraçalhar os bons indicadores da economia americana e acabar com as chances de reeleição de Trump. De quebra, Bolsonaro e os fragilíssimos sinais de retomada do crescimento no Brasil iriam igualmente para o saco. O irracional cidadão que torce pelo fim do mundo parece acreditar que só ele e os que pensam igual a ele estarão a salvo da iminente tragédia.

De repente, penso com meus botões, será que a Covid-19, que se originou na "comunista" China, estaria aí apenas para fazer papel de coveiro dos reacionários de extrema-direita? Vale semear o terror e matar de susto os incautos cidadãos que zeram os estoques de máscaras e álcool gel das farmácias, mesmo morando no árido e inclemente sertão nordestino, território naturalmente inóspito ao coronavírus?

Ironia à parte, deixo a internet um pouco de lado, saio às ruas e, na real, parece que me transportei para outra dimensão. Lá fora, as pessoas continuam a ir para o trabalho, bebem nos bares, passeiam e compram no shopping, vão ao supermercado, dirigem, caminham no parque, se divertem atrás do trio elétrico e nas últimas festas de carnaval... Parecem ignorar que, a qualquer momento, na internet, os arautos do caos estão prestes a anunciar o fim do mundo.

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