Opinião

Artigo: A escola pode mudar

Hoje não basta ser um estudante brilhante, mas um estudante com desenvolvimento pleno

Correio Braziliense
postado em 05/03/2020 14:09
Hoje não basta ser um estudante brilhante, mas um estudante com desenvolvimento plenoComo mudar a escola? Que escola precisamos oferecer para as crianças e os jovens destes novos tempos? São tempos exponenciais, de profundas descontinuidades tecnológicas que vêm influenciando nossa maneira de ser e de se colocar perante o mundo. São tempos que estão a exigir novas competências, que vão além daquelas meramente cognitivas. Hoje não basta ser um estudante brilhante, mas um estudante com desenvolvimento pleno, conforme apregoa o Art. 2° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), preparando para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.

Em 2006, Barrington e colaboradores procuraram responder a duas perguntas: O que vai ser esperado dos jovens nos empregos do século 21? Estão eles realmente prontos para trabalhar? A partir desse trabalho, ficou muito claro que as competências que seriam mais exigidas dos jovens para este novo ambiente laboral seriam, entre outras, pensamento crítico, criatividade, inovação e trabalho em equipe. As tradicionais competências, vinculadas aos conhecimentos básicos, como dominar uma língua estrangeira, a matemática e as ciências, representam nos dias atuais apenas ponto de partida, e não mais de chegada. Ou seja, quem não tiver uma formação sólida com relação a estas últimas nem sequer entra no jogo!

Recordo-me que, quando obtive, em 1982, o título de doutor em química, isso representou, naquela época, para mim, um importante diferencial para que eu pudesse ingressar na Universidade Federal de Pernambuco como professor. Hoje, o doutorado é apenas ponto de partida. Para ter um diferencial, o candidato à carreira docente, numa boa universidade, precisa, por exemplo,  ter publicações em periódicos científicos de relevância. E em breve, e estamos atrasados, será esperado desse candidato que ela tenha desenvolvido competências como aquelas encontradas por Barrington e colaboradores.

Nessa perspectiva é que foi construída a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com 10 competências gerais que precisam ser desenvolvidas pelos estudantes, entre elas, várias daquelas encontradas pelo Barrington e colaboradores em 2006. Notadamente, para que esses estudantes sejam capazes de desenvolver tais competências, é preciso oferecer uma educação integral, que combine de maneira intencional as competências cognitivas, híbridas e socioemocionais no currículo escolar. Precisamos de um novo professor para isso. Trata-se, portanto, de repensar a sala de aula, o processo ensino e aprendizagem, para que de fato a escola faça sentido para esse estudante. O jovem quer uma escola que caiba na vida.

Este ano a BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental encontra-se em processo de implementação em todas as escolas brasileiras. Se isso, por um lado, é alvissareiro, por outro, preocupa-me o fato de o professor não estar capacitado para colocar em prática as 10 competências gerais previstas na BNCC. Por isso, o Seminário Internacional Criatividade e Pensamento Crítico na Escola, promovido, no dia de hoje, pelo Instituto Ayrton Senna, é  importante contribuição para esta nova escola. Uma das questões que o seminário pretende responder é como ir além do mero reconhecimento da importância dessas competências e passar a de fato incorporá-las no dia a dia da educação.

Outra boa notícia é que, em dezembro do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) homologou a Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que traz as novas diretrizes curriculares da formação inicial docente e a Base Nacional Comum da Formação, para alinhar a formação docente com as competências gerais da BNCC. Cabe agora ao próprio MEC instituir uma política, junto às instituições formadoras, para começar a implementá-la nos cursos de formação de professores. Estes novos tempos exigem um novo professor, uma nova escola!

*Membro do Conselho Nacional de Educação e titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto Avançado da USP - Ribeirão Preto

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