Opinião

Artigo: Pedaladas contra o machismo

Mas o grande sonho de Alfonsina era disputar o badalado Giro d%u2019Itália. A inscrição dela foi uma luta. Não havia sido aceita até três dias antes do evento por uma razão óbvia

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 11:25
prova do campeonato brasileiro de ciclismoA semana do Dia Internacional da Mulher traz à memória a história de Alfonsa Rosa Maria “Alfonsina” Morini. Em 1924, a italiana nascida em Castelfranco Emilia, na província de Módena, tornou-se a primeira (e única) ciclista a competir com homens no Giro d’Itália — a tradicional Volta da Itália, disputada desde 1909, ou seja, há mais de 100 anos.

Pense no que foi a luta dessa mulher para praticar o esporte preferido dela no início do século passado. Lembrada como a Rainha do Pedal, Alfonsina era a segunda de 10 filhos do casal Carlo Morini e Virginia Marchesini. A família vivia no campo. Um dia, a menina ganhou o presente dos sonhos de quase toda criança: uma bicicleta. A dela não era 0km. Herdou do pai uma bike surrada, mas em funcionamento. Feliz, ela pedalou, virou ciclista e decidiu competir.

Biografias de Alfonsina contam que, antes dos 14 anos, ela havia conseguido participar de diversas provas na região em que morava numa demonstração de que não entrara no ciclismo a passeio. Há um porém. Participava dos eventos escondida dos pais. Aos domingos, dizia a Carlo e Virginia que ia à missa. A mãe descobriu a mentira. Desafiados pela filha, que se recusava a deixar de pedalar, os pais a ameaçaram. Em tempos de machismo extremo, de mulheres subjugadas, disseram que ela não competiria enquanto morasse com a família.

Aos 14 anos, Alfonsina decidiu se casar com o mecânico Luigi Strada. Ambos foram morar em Milão. Um dos presentes do matrimônio foi justamente uma bicicleta. Além do sobrenome Strada, ela ganhou do marido uma bicicleta e o parceiro virou o primeiro empresário dela.

Aos 16 anos, Alfonsina competiu em Turim, uma das raízes do ciclismo na Itália. Por lá, mulher andando de bicicleta não era mais motivo de escândalo. Começava um período de turnê. A Rainha do Pedal participou do Grande Prêmio de São Petersburgo, na Rússia, em 1909; de duas edições da Volta da Lombardia, em 1917 e 1918; e da prova Milão-Módena, em 1918.

Mas o grande sonho de Alfonsina era disputar o badalado Giro d’Itália. A inscrição dela foi uma luta. Não havia sido aceita até três dias antes do evento por uma razão óbvia: o machismo. Alfonsina desafiava os homens. Deixava vários deles para trás nas competições. Logo, enfrentava resistência. Conta-se que uma das soluções definitivas para a inclusão na prova foi a adulteração do nome. Alfonsina teria se credenciado como Alfonsin.

Entrou no Giro di’Itália na marra. Noventa ciclistas partiram rumo ao sonho do título, mas Alfonsina continuou sendo vítima do preconceito. A organização decidiu que o tempo dela seria excluído devido a várias quedas. Trinta ciclistas cruzaram a linha de chegada, em Milão. A Rainha do Pedal foi uma delas! Alfonsina morreu em 1959 colecionando vários títulos — 36 deles competindo com homens. E em 1988, o Giro d’Itália passou a ter prova feminina.
 

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