Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 04:07
Acredita-se que a utilização do Processo Judicial Eletrônico (PJE contribuirá para a celeridade processual. A lenta caminhada dos processos é antiga. Já a denunciava o Padre Antonio Vieira no Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado na Capela Real em 1650, quando dizia: “Uma das coisas de que se devem acusar e fazer grande escrúpulo os ministros, é dos pecados do tempo. Porque fizeram o mês que vem o que se havia de fazer o passado; porque fizeram amanhã o que se fazer agora; porque fizeram logo o que se havia de fazer já”. Semelhante crítica fez Rui Barbosa na Oração aos Moços, dirigida aos bacharéis de 1929 do Largo São Francisco: “Não sejais, pois, desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato”.A morosidade é inerente ao processo. A formalidade é essencial ao exercício dos direitos de ação e de resposta. Todavia, quando exagerada levará à falência do sistema e à eternização das demandas. Assim já o advertia Hegel em 1820: “O processo jurídico coloca as partes em condição de fazer valer seus meios de prova e os fundamentos jurídicos, e ao juiz de conhecer o assunto. (....). Com a divisão em atos sempre mais particulares e nos direitos correspondentes, segundo uma complicação que não tem limite em si mesma, o processo, que começara por ser um meio, passa a se distinguir da finalidade como algo de extrínseco. Têm as partes a faculdade de percorrer todo o formalismo do processo, o que constitui o seu direito, e isso pode se tornar um mal e até um veículo da injustiça. É por isso que, para proteger as partes e o próprio direito, que é aquilo de que substancialmente se trata, contra o processo e os seus abusos, deverá o tribunal submeter-se a uma jurisdição simples (tribunal arbitral, tribunal de paz) e prestar-se a tentativas de acordo antes de entrar no processo” (Filosofia del Derecho, Editorial Claridad, Buenos Aires, 1968, pág. 195, tradução livre).
São constantes os casos de morosidade. Veja-se o Processo de Falência e Recuperação Judicial nº 0036051-57.1970, de uma das Varas especializadas de São Paulo. Tramita há mais de meio século. Centenas de empregados, empregadores, sociedades empresariais, microempresas, empresas de pequeno porte, estão representados por dezenas de advogados, muitos falecidos, outros aposentados. O Quadro Geral de Credores revela débitos de todos os valores. Quantos conseguirão recebê-los em vida e em condições de utilizá-los?
O Processo Judiciário do Trabalho (PJT) foi concebido quando as primeiras máquinas de escrever começaram a ser usadas nos escritórios e cartórios. Conheci sentenças manuscritas e advogados que usavam tinteiro e caneta. O ideal inatingível consiste na fusão entre o CPC e o PJT e na adaptação de ambos à era da digitalização. As resistências, porém, seriam intransponíveis. Há muito tempo se critica o número excessivo de recursos, em parte responsável pela morosidade processual. “O brasileiro é judiciarista, no sentido de que procura a Justiça para solucionar os seus conflitos e problemas, desejoso de percorrer todas as instâncias – ‘se for preciso, vou ao Supremo Tribunal’, é costume ouvir-se, me disse, de certa feita, o Ministro Rafael Mayer, notável figura de juiz e de homem, que presidiu o Supremo Tribunal com honra e lustre” (frase do Ministro Carlos Mário Velloso, ex-presidente do STF, encontrada na obra O Poder Judiciário no Brasil, de Lenine Nequete).
Dois recursos poderiam desaparecer sem causar prejuízos: o agravo de instrumento, “dos despachos que denegarem a interposição de recursos” e embargos de declaração “nos casos de omissão e contradição do julgado, e manifesto equívoco no exame dos pressupostos do recurso” (CLT, arts. 897 e 897-A).
O PJE eliminou o instrumento apartado e a maioria dos embargos declaratórios não são conhecidos, ou conhecidos para informações. Efeitos modificativos acontecem em quantidade desprezível, que poderiam ser alcançados pelo provimento total ou parcial do recurso principal. O mesmo acontece com os agravos de instrumento, quase sempre denegados por despacho monocrático, contra o qual cabe inócuo agravo interno.
O PJE surge da necessidade de adaptação do processo judicial à era da informatização. A redução de recursos se impõe em nome do combate à morosidade. Com boa dose de otimismo, creio que o assunto provocará estimulantes debates.
*Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do TST.
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