Opinião

Artigo: Roleta Russa

Correio Braziliense
postado em 12/03/2020 04:07
“É a economia, estúpido!” A frase cunhada pela equipe de marketing do ex-Presidente americano Bill Clinton em 1992, durante a corrida à Casa Branca, ganhou o mundo e se transformou num paradigma eleitoral. Por aqui não se pode negar a importância da economia na política. Tão importante que o atual governo brasileiro resolveu criar um superministério com essa nomenclatura, fundindo os ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio e parte do Trabalho. Para chefiar a pasta foi nomeado Paulo Guedes.
 
Num levantamento realizado pelo Datafolha, no fim do ano passado, o ministro Guedes figurava entre os três atores políticos com maior popularidade no governo, atrás apenas dos ministros Sergio Moro e Damares. À época, Guedes contava com a aprovação de 39% da população e estava à frente até mesmo do presidente Bolsonaro com 30%. No entanto, proferiu declarações polêmicas comparando servidores públicos a parasitas e, em tentativa de minimizar os impactos da alta do dólar, mencionando a possibilidade de empregadas domésticas frequentarem a Disney. Esses deslizes, ou “sincericídios”, lhe conferiram um ar antipático, ganhando destaque até em escola de samba no carnaval paulista. Resultado: sua popularidade despencou e acabou desencadeando uma crise política no governo.
 
Para agravar a situação, nessa semana, o portal UOL publicou uma matéria divulgando o ranking dos maiores recebedores de “jetons”, uma espécie de gratificação paga além dos salários pela participação em reuniões de conselhos das estatais, no atual governo. Dentre os cinco maiores privilegiados, três estavam vinculados à pasta do ministro. A soma das gratificações recebidas por Rogério Marinho, Gleisson Rubin e Fernando Ribeiro em 2019 ultrapassa a casa do meio milhão de reais. Além disso, segundo a Folha de S. Paulo, Guedes recebe R$ 7.733 por mês de auxílio-moradia, benesse que contrasta em muito com o discurso do ministro.
 
Em meio a esse conturbado cenário político, a reforma tributária, matéria cara ao ministério da Economia, seguia em compasso de espera no Congresso. No entanto, no bojo de uma discussão sobre o preço dos combustíveis, o presidente da República acendeu o isqueiro lançando um desafio aos governadores pelo Twitter para que zerassem o ICMS sobre combustíveis o que acabou gerando, segundo os analistas políticos, uma forte reação no parlamento. Na última quarta-feira (19) os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, instalaram uma Comissão Mista da reforma tributária no Congresso Nacional. Nessa Comissão, eles desejam consolidar num único texto as PECs 45 e 110.
 
O tema do preço dos combustíveis parece ser mesmo explosivo. A Receita Federal divulgou que, em 2019, a União arrecadou R$ 27,4 bilhões, sendo R$ 24,6 bilhões provenientes do PIS/Cofins e R$ 2,8 bilhões da Cide-Combustíveis. Para os estados, a cobrança do ICMS sobre os combustíveis rendeu, em 2018, quase R$ 56 bilhões. No contexto da reforma tributária, os valores arrecadados em razão da venda de combustíveis poderão ter um grande impacto na economia tanto para estados e municípios quanto para a União. Nessa atmosfera de crise fiscal, o desafio aos governadores pela renúncia dessas receitas tributárias se assemelha a uma roleta-russa.
 
Na mesma esteira, apesar de os débitos atuais dos agentes do setor de combustíveis montarem a casa dos quase R$ 27 bilhões inscritos em dívida ativa da União, a cobrança dos devedores contumazes não parece ser prioridade na agenda do ministro Guedes. A Lei nº 12490/2011 alterou a Lei  nº 9478/97 e instituiu, no inciso II do art.68-A, a necessidade de as empresas interessadas em exercer atividades econômicas na indústria de biocombustíveis, apresentarem à Agência Nacional do Petróleo (ANP) as certidões de regularidade perante os órgãos fazendários federais, estaduais e municipais. Na contramão desse dispositivo legal, a própria ANP editou a resolução 734, em junho de 2018, concedendo ao produtor de etanol um elástico prazo até 31 de agosto de 2020 para se regularizar. Ato que contribui para o aumento da trilionária dívida ativa da União. Mais um abacaxi para a Economia resolver.
 
Após tentar amenizar suas declarações bombásticas, resta ao ministro da Economia resolver o desgaste das jetons, assumir o protagonismo na reforma tributária e amainar a crise em torno do preço dos combustíveis. A sociedade brasileira segue cobrando soluções para os problemas que vivencia e se perguntando pra quem vai sobrar a conta de todo esse desalinhamento e falta de estratégia. Por enquanto, apenas uma resposta ecoa do Planalto: pergunta lá no Posto Ipiranga!
 
*Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional
*Paulo Roberto Ferreira, diretor do Sindifisco Nacional 

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