Correio Braziliense
postado em 13/03/2020 04:15
Uma proposta inacreditável, que poderia ser considerada piada pronta por causa da sua aberração e da conduta contraditória do seu autor, foi apresentada na última terça-feira na Câmara. O deputado Miguel Petriv (Pros-PR), conhecido como Boca Aberta, apresentou projeto propondo simplesmente a amputação das mãos de políticos, que seria feita pelo SUS, que cometerem crimes de corrupção, em suas palavras, “abuso de poder econômico, improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação até o trânsito em julgado.”
Na justificativa, ele cita países onde a democracia passa longe — China, Irã e Coreia do Norte — como referências. Ele diz ainda na justificativa que “os políticos se aproveitam da boa-fé dos eleitores, prometem tudo, não cumprem e nada lhe acontece (…), são inescrupulosos e frios, pessoas más e desumanas”.
A proposta de Boca Aberta, que mostra desconhecer a Carta Magna, foi recebida pela Mesa Diretora da Câmara e devolvida a ele por ser “evidentemente inconstitucional”. O artigo 5º da Constituição, em seu inciso XLII, é claro: “Não haverá penas: de morte, salvo em casa de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; banimento e cruéis”.
A piada pronta seria o fato de o deputado ter péssima conduta, a ponto de já ter sido afastado pelo Conselho de Ética da Câmara por ataques a colegas parlamentares, abuso de poder, invasão de hospitais para filmagens não autorizadas e apresentação de documento falso ao STF, ou seja, o próprio Boca Aberta poderia entrar na mira de sua proposta.
Delírio à parte, fato é que a corrupção é pandemia global, para usar um termo preocupante em tempos de coronavírus, desde que o homem é homem, isto é, Homo sapiens, e iniciou a conquista do planeta há 300 mil anos. Basta pesquisar para concluir que ela está em todas as épocas e civilizações, em qualquer forma de governo e sociedade, em maior ou menor grau. Há notórias e polêmicas discussões, inclusive sobre a provável origem genética/neurológica da corrupção consequência do instinto de sobrevivência do indivíduo a fim de obter vantagens para si — caça no caso pré-histórico — sobre outros indivíduos usando para isso qualquer método, seja lícito, seja ilícito ou não, critério que não existia naquela época. E como isso pode ter condicionado o cérebro das milhares e milhares de gerações seguintes.
Polêmica à parte também, é preciso que as sociedades modernas façam o possível para minimizá-la, porque extingui-la parece impossível. No Brasil, do espelhinho da frota de Cabral à Operação Lava-Jato, foram criados vários mecanismos de combate à corrupção, normalmente ineficazes. Ao contrário do que a maioria dos brasileiros pensa, a impunidade não está na falta de leis. Elas existem e são boas. O grande problema é que não são cumpridas por razões diversas.
No livro Corrupção e poder no Brasil: Uma história, séculos 16 a 17, a professora da UFMG Adriana Romeiro mostra que moralistas e autoridades já refletiam sobre a disseminação de práticas criminosas no Brasil Colônia. Segundo ela, a corrupção no Brasil nasceu de um conjunto de fatores, como confusão entre o público e o privado, a ideia de que o Brasil era local de enriquecimento fácil e vertiginoso. Ela ressalta que o Estado sempre foi visto como inimigo, que atua apenas para cobrar impostos e impor entraves à iniciativa privada. Sendo assim, roubar desse Estado era e ainda é considerada atitude aceitável. No frigir dos ovos, será mesmo difícil e demorado mudar essa cultura. Além da punição legal, sem aberrações como amputação, é preciso berço, isto é educação para as futuras gerações.
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