Opinião

Os idosos e a pandemia

» JOÃO PAULO NOGUEIRA RIBEIRO Médico, é fundador do Instituto Horas da Vida

Correio Braziliense
postado em 19/03/2020 04:13

As medidas preventivas para diminuir a transmissão do coronavírus certamente teriam engajamento muito maior da sociedade se a Covid-19 fosse mais letal em crianças e adultos jovens. Acontece que a nova doença provoca morte e sequelas graves sim, principalmente em idosos, pacientes crônicos e pessoas com imunidade comprometida de forma geral. A marginalização desses grupos e o cruel preconceito de que as pessoas mais velhas são reais e podem enviesar as atitudes ou omissões individuais.


É fundamental exercitarmos, neste momento de crise, a consciência do outro. Em cenário de tanta polarização e extremismo, a pandemia nos desafia a pensar e agir de forma coletiva, ainda que afastados fisicamente. Os estudos publicados em revistas científicas a partir dos casos da China e da Europa mostram que a mortalidade da Covid-19 é muito maior nos pacientes idosos, em torno de 14%. Por si só, o idoso tem diminuição de reserva funcional e consequente queda da imunidade, que é essencial para combater esse e todos os outros vírus. Soma-se a isso o fato de que, pelo desgaste dos longos anos de vida, o idoso é o paciente que mais sofre de doenças crônicas.


Diabetes, disfunção renal, doenças pulmonares e cardiopatias estão entre as mais perigosas para o desenvolvimento de casos graves de Covid-19. Todas as fragilidades, porém, merecem a atenção adequada e o quadro de cada um deve ser considerado, sempre, em sua integralidade.


Idosos não devem ir a prontos-socorros a menos que estejam realmente em situação de emergência. A zona cinzenta sobre a regulamentação da telemedicina em nosso país precisa ser rompida para que instituições privadas e públicas consigam fazer a triagem a distância e orientar as famílias dos grupos de risco caso a caso. Evitar deslocamentos desnecessários ao comércio e a atividades sociais é medida para ontem, assim como o contato com qualquer pessoa que não more na mesma casa.


As crianças são vetores de alto potencial para a transmissão do vírus, pois não têm a maturidade suficiente para reforçar os hábitos de higiene e estão muito habituadas a dinâmicas naturais para elas de compartilhar objetos e alimentos. Com o fechamento das escolas, os responsáveis não podem negligenciar essa realidade e deixá-las sob os cuidados de idosos ou em contato frequente com eles.


Os avós desempenham papel fundamental na rede de apoio a quem tem filhos pequenos, mas, neste momento, os idosos é que precisam da ajuda de todos para não serem expostos a uma doença que pode ser letal. A sociedade precisa compreender isso e cada um de nós, em suas esferas de relações profissionais e pessoais, deve se atentar para os desdobramentos que permeiam uma situação tão inusitada quanto dramática. Vamos reprogramar nossas rotinas e cada decisão do nosso dia a dia para nova configuração adequada a quem depende do nosso olhar neste momento.


Em cada lar onde há alguém do grupo de risco, a higiene e a restrição de contatos com pessoas que usam transporte público ou atuam em ambientes hospitalares, além das crianças, precisarão ser rigorosas. Isso vale para as instituições de longa permanência de idosos, que são mais de 1,5 mil somente em São Paulo e muitas das quais contam com pouca estrutura e nem sequer têm acompanhamento médico diário. Os órgãos de saúde responsáveis precisam, de forma muito ágil, orientá-las e regulamentar medidas preventivas emergenciais. A demora que se vê é mais um indício de marginalização das pessoas que vivem ali.


As orientações podem mudar em tempo real. Estar atento a elas, fugindo das crenças fáceis e das fake news, é outra medida preventiva a adotar. Não se acomode esperando que alguém faça algo ou que as próprias pessoas dos grupos de risco, ainda que sejam ativas, possam lidar com tudo isso sozinhas. Quem está lendo este texto agora certamente recebeu o cuidado e o zelo para chegar até aqui. Precisamos retribuir a atenção e carinho aos nossos pais e avós. Legados se constroem com exemplos bons e consistentes. Já pensou quem poderia cuidar de nós se o amanhã fosse hoje?

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