Opinião

Artigo: Riscos e desafios

Correio Braziliense
postado em 24/03/2020 04:04


Nas ciências sociais, a academia brasileira tende a concentrar reflexões e teses sobre pequenos problemas no Brasil. Deixa aos acadêmicos estrangeiros o papel de estudar os grandes temas da humanidade e as grandes tendências da civilização. Mesmo quando estudamos assuntos atuais, como a crise ambiental, dedicamo-nos mais ao estudo dos problemas em microespaços de nossos biomas do que na relação homem-natureza e o avanço ou retrocesso civilizatório.

O professor da Universidade de Brasília Elimar Nascimento faz parte de um grupo que pensa o mundo. Há 30 anos, ele criou o Centro para o Desenvolvimento Sustentável (CDS) com o propósito de focar, de maneira multidisciplinar, grandes problemas da humanidade. Nessa criação, foi decisiva a contribuição do então reitor Antonio Ibañez e de seu assessor de planejamento, Rubens Fonseca. Foi Elimar, com outro professor, Marcel Burstin, que transformou uma ideia num centro acadêmico dinâmico que, graças a muitos outros dirigentes, professores e alunos, hoje tem centenas de teses publicadas e conseguiu replicar-se em outras unidades da Federação e até no exterior.

O novo livro de Elimar, Um mundo de riscos e desafios — conquistar a sustentabilidade, reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social, é resultado de reflexões pessoais, embora nele tenha agradecimentos a professores e alunos do CDS pela contribuição na elaboração da obra, publicada pela editora da Fundação Astrojildo Pereira. O livro tem a amplitude que se vê em grandes pensadores do mundo e tem tudo para fortalecer ainda mais o prestígio internacional do autor, já consolidado na França, onde ele fez doutorado.
 
A publicação se afirma na bibliografia internacional como grande contribuição na discussão dos temas do decrescimento, da democracia e da modernidade relacionada à globalização e à exclusão. Sobretudo se afirma como contribuição ao debate mundial sobre o futuro da humanidade.

O autor fala do tema tabu, na mente e na academia brasileira, do decrescimento. Embora o próprio autor lembre que, em Mitos do desenvolvimento, Celso Furtado já falasse nos limites do propósito do desenvolvimento econômico e que, antes disso, o professor romeno Nicholas Georgescu-Roegen alertasse para a entropia econômica, é preciso reconhecer a ousadia do Elimar no capítulo “A loucura desenvolvimentista”, ao propor o debate sobre a substituição do crescimento pela busca do decrescimento feliz.

Essa ousadia é apresentada com forte sustentação bibliográfica, citando dezenas de autores, quase todos do exterior, que há décadas demonstram não apenas os limites físicos ao crescimento, como também os limites existenciais do progresso desenvolvimentista, incapaz de gerar felicidade apenas pelo consumo. Em Brasília, um dos primeiros a trazer essa ideia foi o professor da UnB João Luiz Homem de Carvalho.

O capítulo emque o professor Elimar apresenta ideias para a reinvenção da democracia nos permite perceber autores e análises que demonstram os riscos que a democracia sofre no mundo. É um capítulo que nos alerta das ameaças à democracia e nos permite pensar nos limites e insuficiências próprias do sistema democrático.

Inventada há 2.500 anos para as cidades gregas, a democracia não parece ser capaz de dar respostas aos problemas planetários: meio ambiente, migração em massa, comunicação simultânea e universal, fake news, internacionalização financeira e comercial, corrupção, esgotamento do Estado. A democracia não está apenas ameaçada, ela é insuficiente para orientar o mundo.

Ela não será capaz também de barrar o uso das novas tecnologias para ampliar o fosso entre pobres e ricos, levando à exclusão e até a um apartheid biológico, não apenas racial. O professor Elimar avança no assunto da exclusão a níveis raramente vistos na literatura acadêmica. Uma análise cujo único defeito seria a visão otimista de que ainda há esperança para o homo sapiens não se transformar no homo escorpius, que se suicida porque a voracidade do consumo está na sua natureza.

Ainda é cedo para saber se prevalecerá o homo escorpius suicida ou se um homo novus surgirá superando os riscos e os desafios que o autor apresenta. De qualquer forma, pode-se dizer que o livro precisa ser lido e terá papel importante na formulação de uma alternativa sustentável para o futuro da humanidade, a partir de um pensamento universal formulado no Brasil, no CDS/UnB, graças à formação acadêmica e ao humanismo de um de seus fundadores.
 
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
 

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