Correio Braziliense
postado em 25/03/2020 04:36
Graves crises geram grandes desafios e oportunidades. Se a crise de 2008 deixou claro que salvar os bancos era vital para que a colapso financeiro não afetasse a economia de forma permanente, consubstanciado na expressão too big to fail, a pandemia causada pelo coronavírus também evidencia que não podemos deixar as pessoas morrerem ou perderem os empregos por causa de um choque econômico temporário. A Grande Depressão de 1929 também nos trouxe outro ensinamento importante para fins de políticas públicas: os Programas de Proteção ao Emprego (PPE), também conhecidos em inglês como work-sharing ou short-time work.
Os PPEs são arranjos institucionais que podem permitir a compensação salarial, total ou parcial, pelo governo com o objetivo de: i) possibilitar a preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica; ii) favorecer a recuperação econômico-financeira das empresas; iii) sustentar a demanda agregada durante momentos de adversidade para facilitar a recuperação da economia; iv) estimular a produtividade do trabalho por meio do aumento da duração do vínculo empregatício; e v) aperfeiçoar as relações de trabalho.
Sendo assim, os PPEs podem beneficiar trabalhadores, empregadores e governo. Para os trabalhadores, preservam os empregos e os seus rendimentos. Para as empresas, permitem ajustar o fluxo de produção à demanda e evitam a perda de capital humano, reduzindo os custos de demissão e recontratação. Para o governo, reduzem as despesas com o seguro-desemprego ao mesmo tempo que preserva parte da arrecadação.
Não há dúvidas de que o isolamento social é determinante para reduzirmos o grau de transmissibilidade da Covid-19 e, assim, evitarmos o colapso do sistema de saúde, o que poderia condenar à morte milhares de brasileiros, especialmente os mais idosos. Da mesma forma, não há como fazer um shutdown em todas as atividades econômicas, sob pena de impedir a logística dos profissionais de saúde, equipamentos médicos, remédios, vacinas e comida, o que poderia gerar uma convulsão social.
Assim como os bancos centrais são emprestadores de última instância ao dispor de instrumentos de política monetária que garantem a estabilidade do sistema financeiro, o Estado também pode atuar como compensador salarial temporário de última instância para garantir que o nosso isolamento social de 4-6 meses não produza efeitos negativos duradouros sobre a economia. A Lei nº 13.189, de 2015, criou o PPE no Brasil. Contudo, essa legislação não está mais em vigor. Não se trata aqui de dizer que essa lei nos salvará de todas as adversidades que nos assolam neste momento. Nova proposta legislativa deveria criar uma renda universal pró-emprego, levando em conta a condição laboral dos trabalhadores, inclusive os informais, que estão impedidos de exercer a profissão, similar ao que acontece com os pescadores artesanais em períodos de defeso.
O maior desafio de toda política pública são as regras de elegibilidade. Dessa forma, deve-se evitar que as demissões sejam apenas postergadas e que o custo fiscal prejudique a estabilização macroeconômica de médio prazo, o que poderia gerar temor sobre a trajetória da nossa dívida pública, proporcionando outra crise. Faz-se necessário, portanto, criar outra fonte de custeio para atenuar os impactos sobre as contas públicas.
Alternativa viável seria instituir uma contribuição social vinculada à renda futura, arcabouço defendido pelo pesquisador Paulo Meyer, do Ipea. Aplicada ao novo programa pró-emprego, trabalhadores e empresas entrariam sem pagar nada. Contudo, no futuro teriam que restituir ao Tesouro, ainda que parcialmente e à medida que as rendas e receitas permitissem, os valores recebidos durante a crise. É uma aplicação que a literatura econômica chama de financiamentos com pagamentos vinculados à renda. Milton Friedman concebeu a ideia original na década de 50 e Joseph Stiglitz a vê hoje como grande inovação social que transcende o financiamento do ensino superior, área para qual foi inicialmente pensada e já testada com sucesso na Austrália e Inglaterra.
A renda universal pró-emprego pode salvar vidas e a economia. Não podemos namorar com as possibilidades de vivenciarmos o drama do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Sempre sou otimista e entendo que a crise nos ajudará a transformar nosso sistema econômico em uma espécie de capitalismo social com novos protocolos universais de saúde. Lutaremos e venceremos juntos.
*Arnaldo Lima é economista
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