Correio Braziliense
postado em 30/03/2020 04:24
Em tempos de quarentena devido à pandemia do novo coronavírus, uma das valiosas dicas de leitura tem sido o clássico A Peste, de Albert Camus (que foi goleiro, só para não deixar de falar um pouquinho de futebol). Mas há outras opções proféticas sobre o tempo em que vivemos. Fica a dica de O Decamerão, escrito por Giovanni Bocaccio, em 1353. Por sinal, um dos mais procurados do momento no ranking internacional das livrarias virtuais.Jovens ricos de Florença, na Itália, fogem da peste que assolava a Europa no século XIV. Sete mulheres com idade entre 18 e 28 anos; e três homens acima dos 25, marcham para bem longe da cidade. Confinados em uma casa num vilarejo no meio do nada, começam a discutir sobre o que fazer no longevo período de confinamento.
Pampinéia avisa aos amigos: “Trouxe-lhes os tabuleiros de damas e de xadrez, podem distrair-se conforme quiserem. Todavia, se querem escutar um conselho, creio ser preferível não jogar. Um das consequências imutáveis do jogo é conseguir sempre indispor um dos parceiros, e nem os adversários e tampouco os espectadores extraem qualquer prazer dessa indisposição”.
Provavelmente, Pampinéia era uma espécie de “influenciadora digital” daquele mundo analógico. Frustrou o passatempo da turma, mas logo apresentou alternativa. “Ora, se cada um de nós relatasse uma história, todos ficariam contentes”, sugere, com aprovação unanime.
Em vez da competição, o entretenimento passar a ser contar histórias sem vencedores ou vencidos. Sem troca de farpas entre os confinados na casa. Assim, o clássico da literatura italiana começa a sair do papel. Cada um dos 10 jovens é desafiado a contar 10 histórias para fazer esquecer a peste. Os 100 contos viram um documento da peste que dizimou a Europa. Giovanni Bocaccio estima em 100 mil a quantidade de vítimas — em Florença e nos arredores.
O link do livro com o presente impressiona. Tanto a peste quanto a pandemia do novo coronavírus exigem a tomada de decisões éticas (ou não) que pressionam a humanidade. Os 10 jovens encontraram refúgio. Outros ficaram expostos à praga, desprotegidos ou prestando serviços essenciais. Há sentimento de deserção, traição, egoísmo entre os exilados. Mas também formam uma comunidade capaz de contribuir para reconstruir as relações humanas.
O que nossas famílias têm feito em tempos de confinamento: jogado ou contado (e registrado) histórias? Como nos lembraremos do isolamento na pandemia do novo coronavírus? Recordaremos as disputas (algumas banais) que tivemos, ou deixaremos registrado o legado do ano em que a humanidade pode estar reinventando suas desgastadas relações? As páginas estão em branco. O livro é seu.
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