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Opinião: Hora de sensatez

''Se o presidente brasileiro se agarrava à postura do ídolo Donald Trump como uma tábua de salvação, a prancha deixou de existir. O norte-americano mudou a retórica, admitiu a complexidade da crise e advertiu que o isolamento social é 'questão de vide e de morte'''

Correio Braziliense
postado em 01/04/2020 04:35
''Se o presidente brasileiro se agarrava à postura do ídolo Donald Trump como uma tábua de salvação, a prancha deixou de existir. O norte-americano mudou a retórica, admitiu a complexidade da crise e advertiu que o isolamento social é 'questão de vide e de morte'''Como atrair os holofotes internacionais (com uma enxurrada de críticas), minar a própria popularidade e colocar em risco suas chances de reeleição? O presidente da República tem a receita. A aventura negacionista da pandemia do novo coronavírus pode custar caro a quem deveria adotar postura de líder e comandar a nação no enfrentamento da mais grave crise sanitária do último século. Ao se referir à pandemia como “gripezinha” e declarar que “vai haver mortos mesmo”, o chefe de Estado menosprezou possíveis óbitos que engrossarão as estatísticas de um desastre agravado por sua insistência em enxergar a real dimensão da tragédia e de buscar uma resposta à altura. Também ignorou e desrespeitou familiares que hoje choram seus mortos sem ao menos terem a chance de uma despedida. Provavelmente sob intensa pressão, recuou.

Em pronunciamento à nação, na noite de ontem, admitiu que “o vírus é uma realidade”. O aumento nos números de mortos no Brasil (201) e de casos (5.717) não o impediu de distorcer o teor do discurso de Tedros Ghebreyesus, diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS). A suspeita mudança de guinada do presidente não o exime de comportamento anterior duvidoso. Quando chamou o novo coronavírus de “gripezinha”, desprezou e ofendeu a linha de frente desta batalha: os médicos e enfermeiros que arriscam a própria vida na tentativa, muitas vezes inglória, de salvar outras vidas; os cientistas, engajados em uma corrida frenética contra o tempo em busca de uma cura. Também desautorizou o próprio ministro da Saúde, que tenta reduzir danos em uma guerra onde não há vencedor.

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Por outro lado, as cenas do presidente visitando regiões distintas de Brasília, um dia depois de seu ministro da Saúde recomendar à população o distanciamento social, indica distopia, desconexão com a realidade. Ainda que reforce a imagem de político carismático e popular entre seus eleitores, o gesto envia mensagem oposta, perigosa, irresponsável e confusa para o restante da população. Vai na contramão de ações tomadas por todos os países, das recomendações da OMS e das orientações dos mais renomados infectologistas.

Se o presidente brasileiro se agarrava à postura do ídolo Donald Trump como uma tábua de salvação, a prancha deixou de existir. O norte-americano mudou a retórica, admitiu a complexidade da crise e advertiu que o isolamento social é “questão de vide e de morte”. Minimizar a pandemia da Covid-19 representaria a pior diretriz política e equivaleria a diminuir a tragédia humana que se abate sobre o planeta. A hora cobra sensatez, coragem, equilíbrio, ponderação, lucidez e postura de líder nato. O momento exige buscar formas de mitigar ou reduzir o impacto mais imediato da pandemia: novas infecções e óbitos. Vidas estão em jogo. Algo muito mais importante do que economia ou sede de lucro e poder.

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