Correio Braziliense
postado em 05/04/2020 04:19
A pandemia da Covid-19 está pressionando enormemente os sistemas de saúde pública em todo o mundo, e milhões de pessoas nas economias mais avançadas estão em algum tipo de quarentena. Sabemos que o custo humano será alto e que os grandes esforços para mudar o rumo implicam grande custo econômico.Para reduzir o risco de um custo ainda mais alto (escassez de alimentos para milhões, inclusive em países ricos), o mundo deve tomar medidas imediatas para minimizar as alterações nas cadeias de fornecimento de alimentos. É necessária uma resposta mundial coerente e coordenada para evitar que a crise da saúde pública desencadeie crise alimentar na qual as pessoas não possam encontrar ou pagar alimentos.
Por enquanto, a Covid-19 não pressionou a segurança alimentar apesar dos relatos anedóticos de supermercados repletos de clientes. Embora não haja necessidade de pânico (existe fornecimento de alimentos no mundo suficiente para alimentar a todos), precisamos nos preparar para um grande desafio: o risco de que os alimentos possam não estar disponíveis onde for necessário.
O surto de Covid-19, com todos os fechamentos e bloqueios que o acompanham, criou gargalos logísticos que geram efeitos de rebote nas longas cadeias de valor da moderna economia global. As restrições de movimento, bem como as medidas de distanciamento social que afetam trabalhadores, podem impedir que os agricultores produzam alimentos e que os processadores de alimentos (que lidam com a maioria dos produtos agrícolas) não possam realizar seu trabalho. A escassez de fertilizantes, medicamentos veterinários e outros insumos também poderia afetar a produção agrícola.
O fechamento de restaurantes e as compras menos frequentes de comestíveis diminuem a demanda por produtos frescos e da pesca, afetando produtores e fornecedores, especialmente pequenos agricultores, com consequências adversas a longo prazo para a população cada vez mais urbanizada do mundo, seja vivendo em Manhattan, seja em Manila.
A incerteza sobre a disponibilidade de alimentos pode levar os formuladores de políticas a implementar medidas comerciais restritivas para salvaguardar a segurança alimentar nacional. Dada a experiência da crise mundial de preços dos alimentos em 2007-2008, sabemos que essas medidas podem apenas agravar a situação.
As restrições de exportação estabelecidas pelos países exportadores para aumentar a disponibilidade de alimentos no mercado nacional poderiam provocar sérias interrupções no mercado mundial, resultando em aumento e preços mais voláteis. Em 2007-2008, as medidas protecionistas foram extremamente prejudiciais, principalmente para países de baixa renda com deficit de alimentos e para organizações humanitárias que precisam obter suprimentos para os mais necessitados e vulneráveis.
Todos deveríamos aprender com o nosso passado recente e não cometer os mesmos erros duas vezes. Os formuladores de políticas devem ter cuidado para evitar medidas que restrinjam acidentalmente as condições de fornecimento de alimentos. Embora cada país enfrente os próprios desafios, a colaboração entre os governos e todos os setores e partes interessadas é fundamental. Estamos passando por um problema global que requer resposta global.
Devemos garantir que os mercados de alimentos funcionem adequadamente e que a informação sobre preços, produção, consumo e estoques estejam disponíveis para todos em tempo real. Essa abordagem reduzirá a incerteza e permitirá que produtores, consumidores, comerciantes e processadores tomem decisões informadas, evitando o pânico injustificado nos mercados mundiais.
Ainda são desconhecidos os impactos à saúde da pandemia de Covid-19 em países mais pobres. No entanto, podemos dizer com certeza que qualquer crise alimentar resultante de má formulação de políticas será um desastre humanitário que poderíamos ter evitado. Já temos 113 milhões de pessoas que sofrem de fome aguda. Na África subsaariana, um quarto da população está subnutrida. Qualquer interrupção nas cadeias de suprimento de alimentos intensificará tanto o sofrimento humano como o desafio de reduzir a fome no mundo.
Devemos fazer todo o possível para não deixar isso acontecer. A prevenção custa menos. Os mercados mundiais são essenciais para amenizar as perturbações da oferta e da demanda em todos os países e regiões. Devemos trabalhar juntos para garantir que as interrupções nas cadeias de fornecimento sejam minimizadas o máximo possível. A Covid-19 nos lembra fortemente que a solidariedade não é caridade, mas um senso comum.
*Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.