Correio Braziliense
postado em 09/04/2020 04:05
Alguns parlamentares têm utilizado o problema econômico gerado pela pandemia para justificar a unificação de eleições no Brasil e também a determinação de que o fundo partidário e o fundo eleitoral sejam realocados para a saúde. Em uma leitura rápida, a ideia parece ótima, mas convido você a fazer essa análise junto comigo, e adianto que esse artigo ferirá o senso comum.
Antes de prosseguirmos, é preciso considerar que a democracia, assim como a monarquia e a aristocracia, que são formas de governo, têm custo, vantagens e desvantagens. Na democracia temos liberdade de imprensa, órgãos de controle, transparência nos gastos públicos. Um sistema que atua com pesos e contrapesos para que tenhamos uma sociedade justa e equilibrada, com poderes divididos: Judiciário, Legislativo e Executivo.
Já as formas de governo totalitárias impedem que cidadãos tenham certo controle dos atos dos governantes, o que impossibilita, inclusive, o controle dos gastos. No Brasil, recentemente o presidente da República editou uma medida provisória dificultando o acesso à informação. O Superior Tribunal Federal derrubou o trecho.
A democracia não é perfeita, mas é a forma de poder que mais garante os direitos dos cidadãos. É a que mais reduz a possibilidade de tirania e a que mais corrige os excessos. Pode ver que, apesar de toda a perspectiva de impunidade que o senso comum produz, tivemos grandes empresários e políticos influentes parando na prisão.
Quanto custa a democracia? Somando o financiamento dos partidos políticos aos dos candidatos, aos do sistema eleitoral, incluindo os gastos públicos com as concessões de rádio e televisão, chegamos a média de R$ 10 bilhões por ano eleitoral. A cifra é assustadora se olhada parcialmente, o que faz que muitos populistas a usem para arrebanhar fãs, mas você precisa relativizar o gasto.
Em 2019, o Orçamento da União foi de R$ 3,3 trilhões. Efetivamente pagamos R$ 2,6 trilhões. De tudo o que pagamos, 55% foi basicamente para dívida pública (R$ 1,4 tri). O restante, os 45%, usamos para atividades “finalísticas”. Entre elas, a Previdência pública, que concentra um pouco mais da metade de todo o gasto, com R$ 668 bilhões. Para te dar um panorama geral, gastamos R$ 114 bilhões na saúde, R$ 94 bi na educação e R$ 75 bi na defesa.
Coloque agora os R$ 10 bilhões que gastamos para fazer a manutenção de todo o nosso Estado democrático, em comparação a tudo o que gastamos. O processo eleitoral corresponde a 0,008% do total dos pagamentos.
Se é questão financeira, cabe fazer a conta do que queremos sacrificar. Claro que o senso comum empurra o cidadão a cortar os gastos direcionados para a política, mas foi esse senso comum que levou a França a seu banho de sangue na Revolução Francesa, e levou vários governos a se tornarem absolutistas. Se você deixa de ter uma eleição, quem garante que voltará a ter? O Império Romano começou com uma intervenção militar diante de uma ameaça grave, votada pelos senadores, que tinha prazo para acabar.
O pretexto de usar o dinheiro da eleição para a saúde não resiste a uma simples conta de matemática quando se conhece o Orçamento da União. Para quatro meses de crise, o governo terá que injetar cerca de R$ 1 tri na economia. Basta olhar o New Deal, plano estadunidense implantado entre 1933 e 1937 para recuperar a economia americana, para saber que R$ 10 bi não fazem diferença.
Os americanos não mediram esforços para sair da grande depressão, intervieram no sistema bancário, investiram em estatais, em obras públicas, criaram o sistema de previdência social, aumentaram os investimentos na área agrícola e muitas outras ações. Em época de guerra, a demagogia não cabe na trincheira.
O inimigo é forte e não vai ser com corte de salários de servidores ou com economia no nosso sistema eleitoral que vamos vencer. Agora é preciso que os governantes e representantes tenham responsabilidade de encarar a hostilização que existe nas redes sociais e agir como estadistas, com a finalidade de realmente trabalhar pelas pessoas, mesmo que, em um primeiro momento, elas não entendam bem o que está sendo feito.
A unificação das eleições também não fará as eleições custarem menos. Eleição não é apenas disputa por um voto, mas é a disputa pelo tempo do eleitor. Quanto maior o número de candidatos, mais caro será para um candidato “comprar” o tempo de atenção de um eleitor. A unificação levará a aumento de gastos nas campanhas eleitorais, dado que serão muitos candidatos para mostrar as propostas, tudo ao mesmo tempo.
Repare que não existe um modelo similar, em países com características análogas ao Brasil, que adote um modelo unificado eleitoral. Países menores, como Portugal, utilizam eleições no mesmo ano, mas em semestres diferentes. O mundo todo pode estar errado e os nossos parlamentares, dotados de altruísmo e legítimo interesse pelo bem do cidadão, criaram uma solução muito melhor do que a do restante do planeta.
Você pode acreditar no que quiser, dado que há quem acredite na teoria da Terra plana. Pode negar as contas que propus, negar as experiências democráticas, negar a necessidade de um Estado de direito garantidor. Eu contrariarei Friedrich Hegel, que disse que a história ensina que governos e pessoas nunca aprendem com a história. Ficarei com a história.
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