Correio Braziliense
postado em 12/04/2020 04:23
Travessia do umbigo ao mundo
Particularmente neste domingo de Páscoa, experimentamos, mais do que em outro momento qualquer de nossa existência, o sentimento de uma travessia ou passagem (Pessach), talvez semelhante ao que vivenciaram os hebreus em sua peregrinação pelo deserto, durante o que parece ter sido uma quarentena por longas quatro décadas.
À semelhança daquele povo que fugia do cativeiro do Egito em busca da terra prometida de Canaã, estamos numa caminhada dentro de casa, em torno de nós mesmos, depois de, aparentemente, termos perdido, ou deixado para trás, um mundo que acreditávamos conhecer muito bem, mas que agora sabemos estranho. Por um lado, cheio de segredos e mentiras e mesmo hostil. Por outro, solidário, patriota e cheio de esperanças e planos.
Embora tudo pareça estar em seus lugares costumeiros, há neste instante, com os olhos que passamos a enxergar o mundo exterior, uma dúvida de que essa não é mais a paisagem e o lugar que pensávamos ser real. Como diria o velho Machado [Machado de Assis], em sua indagação mais profunda sobre o Natal, mas que poderia ser agora adaptada à Páscoa: “mudaria a Páscoa ou mudei eu? Infelizmente, o mundo segue indiferente às nossas agruras, estranhamente ignorando nossa aflição”.
Notícias que chegam de toda a parte mostram que nossa casa, este pequeno planeta perdido no universo, está até melhor com nossa ausência. O ar está mais puro e os animais estão mais livres. Mas sabemos, também, que aqueles que sempre agiram nas sombras não perderam tempo e estão tirando o máximo proveito da distração do mundo com o vírus e prosseguindo, como nunca, no desmatamento da Amazônia, atendendo ao grande volume de pedido externos de madeira. O lado ruim do mundo não dorme nem descansa.
Em resposta àqueles que buscaram saber como puderam os hebreus vagarem por 40 anos pelas areias escaldantes do norte da África quase sem esmorecer, encontramos uma justificação simbólica, mas poderosa: eles eram guiados nessa passagem de um mundo para outro, do cativeiro para a liberdade, por um líder escolhido pelo próprio Deus e que era sentido por todos por meio da fé. A fé que, para muitos, é algo irreal e místico, distante da fatualidade científica, é combustível que move o motor do espírito. De posse da fé de que havia à frente um mundo novo, em que a liberdade era um verdadeiro maná de Deus, nenhum obstáculo terreno seria intransponível.
Essa mesma fé, nem tanto espiritual, dos navegantes da Idade Moderna, conduziu-os ao Novo Mundo. Da mesma maneira, os primeiros peregrinos deixaram a Europa em busca de nova vida na América recém-descoberta, longe das perseguições políticas e religiosas. Necessitamos, desesperadamente, desse ânimo ou alma para descobrir, talvez, um novo mundo, uma vez que o antigo, teremos, forçosamente, que deixar para trás.
O fato de o planeta voltar a respirar melhor com nossa ausência demonstra que temos sido o vírus que vem assolando o planeta desde que nos organizamos em sociedade. Podemos entender agora que até a Revolução Industrial, que pensávamos ser a libertadora do homem e da escravidão, apartou-nos do mundo, transformando-nos em danosos predadores e consumistas vorazes. Temos, por força das circunstâncias mortais, que nos transformar em agentes por um novo planeta. Não é tarefa pequena, mas esse trabalho hercúleo que nos espera poderá, agora, mais do que em outras oportunidades, ser distribuído igualmente pela humanidade enclausurada.
À certeza de que o planeta não necessita de nós para continuar girando no espaço, poderemos nos contentar com a resposta de nosso ego, que diz: de que valeria todo esse mundo sem a nossa presença e a capacidade que temos de refletir sobre essa importância? A poesia que foi declarada:“Está escuro porque você está se esforçando demais. Criança, levemente, levemente. Aprenda a fazer tudo de ânimo leve. Sim, sinta-se levemente, mesmo sentindo profundamente. Apenas deixe as coisas acontecerem levemente e lide com elas. Então, jogue fora sua bagagem e vá em frente. Existem areias movediças ao seu redor, sugando seus pés, tentando sugá-lo ao medo, à autopiedade e ao desespero. É por isso que você deve andar tão levemente. Levemente, minha querida”. Aldous Huxley, escritor inglês, em A Ilha.
Reta final
Entre 13 e 17 de março, esta coluna abriu a discussão sobre o polêmico concurso da Sedes-DF. Em 1º de abril, saíram as últimas decisões. Todos os conselheiros do TCDF votaram pelo sistema proporcional de pontuação, conforme traz o edital do certame. No entanto, nos últimos dois parágrafos do seu voto, o relator, Paulo Tadeu, acrescentou uma observação que está agitando os concurseiros. Veja no Blog do Ari Cunha.
Burocracia virtual
Para gerar a segunda via da conta da Caesb, o portal interativo e amigável agiliza o comando. Na CEB, é preciso usar a barra de rolagem, o que nem sempre é lógico para os usuários. O que aparece primeiro é um login e senha para se cadastrar no portal, absolutamente desnecessário, uma vez que o clique para a segunda via da conta foi jogado para o final da página.
História de Brasília
Moradores da superquadra 409/410 pedem a construção de uma escola e alegam que uma superquadra dupla merece uma escola, perfeitamente. (Publicado em 5/1/1962)
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