Opinião

Política monetária e fiscal em tempos extraordinários

''Especificamente, qual seria a taxa neutra brasileira? A taxa de juro neutra seria a que equilibraria os diversos mercados de crédito não gerando pressão de preços, nem para cima, inflação, nem para baixo, deflação''

Correio Braziliense
postado em 17/04/2020 04:04
''Especificamente, qual seria a taxa neutra brasileira? A taxa de juro neutra seria a que equilibraria os diversos mercados de crédito não gerando pressão de preços, nem para cima, inflação, nem para baixo, deflação''Dois são os objetivos de um banco central moderno: manter o poder de compra da moeda e assegurar a existência de um sistema financeiro sólido e eficiente. Em tempos normais, é razoavelmente bem compreendido qual o instrumental a ser utilizado, mas em momentos mais que extraordinários como o atual, como deveria ser gerido um banco central com vista a atingir esses dois objetivos?

Importante pergunta nestes dias críticos é de qual seria a taxa de juro neutra das diferentes economias. Especificamente, qual seria a taxa neutra brasileira? A taxa de juro neutra seria a que equilibraria os diversos mercados de crédito não gerando pressão de preços, nem para cima, inflação, nem para baixo, deflação. O termo taxa de juro neutra foi cunhado por Knut Wicksell no final do século 19 e seu conceito e diretrizes estão implícitos em toda a condução dos bancos centrais modernos. 

O patamar dessa taxa de juro de equilíbrio é definido por uma grande e complexa combinação de fatores. A taxa de juro é o prêmio que recebo por oferecer o meu excesso de liquidez e, nesse sentido, quão maior for o crescimento econômico, maior poderá ser o prêmio cobrado. Por seu lado, quão mais impaciente for o agente demandante dos recursos, também maior será a taxa que ele estará disposto a pagar. 

Mas há outra perspectiva, menos intuitiva, da determinação do prêmio pago, que é a questão da incerteza e a aversão a risco. Se de alguma forma sou um poupador, terei inevitavelmente de encontrar uma contraparte, solicitando a ela que gerencie os meus recursos entre o hoje e a data futura combinada para a devolução. É aí que surge a grande pergunta. 

Em quem poderemos confiar para consignar os recursos em um cenário de quase inexistência de nível de atividade com projeções futuras ainda tão incipientes? Aquilo, então, que era um prêmio positivo torna-se um valor diametralmente oposto. A pergunta muda: qual o valor do prêmio do seguro que estou disposto a pagar para ter a meu dispor uma contraparte minimamente segura e confiável para navegar os mares de tormenta, carregando consigo meus valiosos recursos?  

Vale a ressalva de que a atual tormenta não tem paralelo algum, ao menos desde a crise de 1929. É devido a isso que, neste cenário de pandemia, haja grande fuga de recursos para os que seriam os agentes mais seguros para administrar as poupanças globais: o Tesouro americano, suíço, alemão... Mas é óbvio que esses Tesouros não têm capacidade de receber toda a poupança mundial em pânico. Assim, grande parte delas terá de permanecer em solo local, buscando os agentes menos arriscados para oferecer a própria liquidez.

Não cabe aqui discutir mais tecnicamente a definição da taxa de juro neutra como sendo o prêmio, positivo ou negativo, síntese de um ativo livre de risco, por sua vez, função da combinação de todos os preços de ativos contingentes aos estados da economia. Tudo leva a crer que, no atual cenário, dadas as imensas incertezas, a atual taxa livre de risco das economias, a taxa de juro neutra pandêmica, para criar um termo imaginário, seria bastante negativa: os agentes estariam dispostos a pagar para ter as economias minimamente seguradas.

Se isso for verdadeiro, e aqui deixo o debate aberto para as eventuais críticas e refutações, a taxa de juro nominal de curto prazo deveria ficar muito próxima de zero, para não dizer zero, já que ela representaria a soma da taxa de juro neutra negativa mais uma expectativa de inflação, em tempos de consumo quase zero, também muito baixa. Consequência desse resultado é de que o Tesouro Nacional passaria a poder se financiar a taxas próximas de zero, o que, de certa forma, é um bom auxílio, em termos de custo,  já que ele terá que arcar com grande parte do socorro via política fiscal. 

Portanto, a principal conclusão do raciocínio esboçado aqui é de que parte da poupança nacional representada pela dívida pública deverá ser rolada momentaneamente a taxas baixíssimas. Essa poupança será utilizada pelo Tesouro para financiar o nosso esforço de guerra, a custo zero. E financiarmos o Tesouro Nacional a custo zero é, no atual cenário, tudo que poupadores, devedores, empresas e famílias querem ou deveriam querer.


* Doutor em economia e professor do Departamento de Eonomia da Eaesp-FGV e economista da Linus Galena Consultoria Econômica 

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