Correio Braziliense
postado em 18/04/2020 04:05
O isolamento social — para quem realmente está cumprindo, claro — causa angústia, ansiedade e medo, embora seja de suma importância para conter a disseminação do novo coronavírus. O que mais se vê nas redes sociais são depoimentos de quem tenta driblar o distanciamento, a saudade de parentes, a vontade de sair batendo perna. Para as crianças, normalmente irrequietas, o incômodo é ainda maior. Por isso, celulares e tablets foram semiabsolvidos pelos pais, os videogames também ganharam uma certa flexibilização, assim como tevê por assinatura e serviços de streaming. Jogos e outros brinquedos completam o arsenal para entreter meninos e meninas. Apesar disso, o confinamento é estressante.
E se o dia a dia está sendo difícil para crianças com todos esses confortos, imagine as que mal têm o que comer, que dirá brinquedos. Para essas, os artigos que citei são um luxo muito distante, inalcançáveis até. Sei como é complicada a situação. Carência na infância eu conheço bem. Meu pai se desdobrava para conseguir o básico para a família — minha mãe, eu e meus quatro irmãos (depois de anos, a contagem aumentou para seis filhos).
Brinquedos, portanto, eram raríssimos. Os poucos e modestos que tínhamos eram presenteados por moradores do prédio onde meu pai trabalhava como porteiro. Mas eu e meus irmãos tínhamos a rua para nos divertir. Qualquer pedaço mais longo de fio servia para pularmos corda, uns riscos no chão nos permitiam disputar quem era o melhor na amarelinha. Também brincávamos de queimada e de bet —com pedaços de madeiras, para rebater a bolinha, e latas como alvo. Só não funcionava quando chovia.
Creio que essa é a realidade de crianças carentes por todo o país: a rua como diversão. Com o distanciamento social, como ficam? Além disso, grande parte delas, se não a maioria, vive com a família em cômodos apertados, divididos, em geral, com mais parentes. Como mantê-las em espaços exíguos e sem nada para entretê-las?
Volta e meia, alguém diz que estamos todos no mesmo barco nesta pandemia. Quem fala isso está de barriga cheia, mora em casa confortável e não tem motivos para grandes preocupações. O barco não é o mesmo para quem perdeu o emprego, teve o contrato de trabalho suspenso ou redução de salário; não é o mesmo para quem já não tinha carteira assinada e agora não pode nem mesmo vender o cachorro-quente na esquina; não é o mesmo para quem vive em habitações precárias em regiões sem nenhuma infraestrutura, em locais onde o poder público não chega. Neste Brasil extremamente desigual, o sofrimento também tem graus bem distintos.
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