Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 04:10
Após a saída emblemática de Sergio Moro do Ministério da Justiça, em pronunciamento bombástico avaliado como ato político, o governo perde um dos três pilares de sustentação. Desde a campanha eleitoral, Paulo Guedes destacou-se como o grande fiador de uma economia que seria o oposto da do PT: liberal e o menos estatizante possível. Na outra ponta, havia o discurso anticorrupção do candidato, que acabou atraindo parcela da sociedade decepcionada com os escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas. Eleito, prometeu a Moro carta branca para aprofundar o combate ao crime e conseguiu tornar ministro o então juiz da Lava-Jato. Completando o tripé, a extrema direita, enfim, se uniria em torno do capitão.
Com Moro fora do governo, e Guedes cada vez mais escanteado e enfraquecido no Planalto, pode-se dizer que o apoio a Bolsonaro, hoje, resume à turma barulhenta e radical que pede um novo AI-5, o ato que instituiu o período mais sombrio da ditadura militar. Sem meias palavras, advogam a volta de um regime autoritário, apesar de os comandantes das Forças Armadas reafirmarem, a cada investida, que não endossam o discurso da radicalização. O mais tenebroso é que todo esse pandemônio ocorre em meio à grave crise provocada pelo coronavírus, que desafia a humanidade enquanto derrete a economia do planeta.
Bolsonaro já caminhava em direção perigosa quando decidiu ignorar evidências científicas e exemplos positivos de combate à Covid-19, quando fritou em praça pública o próprio ministro da Saúde, quando participou de manifestação que pedia a volta do AI-5, uma afronta à democracia e à Constituição que jurou respeitar. Para entornar o caldo, na despedida, Moro saiu atirando e acusou o presidente de tentar interferir na Polícia Federal. Com a investida, uma tentativa de se antecipar ao rastro das denúncias contra os filhos, perdeu o ministro mais popular e quebrou seu discurso anticorrupção. Imaginou que Moro, herói da Lava-Jato, que abriu mão da magistratura, sairia calado? Arriscou um lance de sorte?
Declarações pró-renúncia, pedidos de impeachment no Congresso e de abertura de inquérito no STF para apurar as denúncias de Moro, além de fortes manifestações de entidades da sociedade civil, deixam poucas opções políticas a Bolsonaro. Pode-se supor que os eleitores mais radicais são o último pilar de Bolsonaro, que busca sustentação extra em políticos que ainda têm a esperança de abocanhar cargos no governo. Mas será que o velho e oportunista Centrão é uma garantia confiável? Frase atribuída a Churchill diz que não existe sorte: “Aquilo que chamas de sorte é o cuidado com os pormenores”. Esse cuidado parece não fazer parte da cartilha de Bolsonaro. Até aqui, ele segue sendo o maior adversário do próprio governo.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.