Opinião

Peripécias de Bolsonaro

''Sua fala à nação foi estranha, diferente, patética. Ele falou da piscina do Alvorada, do Inmetro, de taxímetros e das namoradas do filho. Tudo para justificar a exoneração de Sergio Moro.''

Correio Braziliense
postado em 28/04/2020 04:06
''Sua fala à nação foi estranha, diferente, patética. Ele falou da piscina do Alvorada, do Inmetro, de taxímetros e das namoradas do filho. Tudo para justificar a exoneração de Sergio Moro.''Jair Bolsonaro foi eleito por uma onda que varreu a política brasileira. O caminhar da Operação Lava-Jato colocou aos olhos da opinião pública a farra em matéria de corrupção ocorrida nos governos Lula e Dilma. Muita gente foi presa e condenada, a exemplo do ex-governador Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, que está cumprindo longa pena. Integrantes da direção do Partido dos Trabalhadores pagaram os pecados no xilindró. Outros partidos também foram duramente punidos. A Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões em apartamento em Salvador. Geddel Vieira Lima, que, entre outros cargos, foi vice-presidente da Caixa Econômica, está em cana.

A roubalheira provocou forte repulsa dos eleitores. A política tradicional fracassou no Brasil. Os caciques políticos de outros tempos não conseguiram encontrar, em 2018, candidato razoável para gerenciar o país. O resultado foi que uma pessoa sem experiência e sem partido apresentou-se como candidato. Ele assumiu o papel daquele que seria “contra tudo isto que está aí”.

Ganhou a eleição. Sentou na cadeira e descobriu que não sabia por onde começar. Não tinha grupo, nem quadros capazes de gerir o país. Bateu na porta dos quartéis e buscou generais da ativa ou da reserva. Montou sua proteção contra eventual golpe de Estado. Encontrou em Paulo Guedes o caminho para estabelecer metas na economia. E, em Sergio Moro, o caminho para transmitir a imagem de defensor da Lava-Jato.

Juntou religião, fundamentalismo, herdeiros da antiga linha dura dos militares com milicianos e o pessoal ligado à tortura. É a sua turma que gerencia ação de robôs nas redes sociais. Mas a própria família Bolsonaro já tinha seus problemas. A prática da rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flavio Bolsonaro, emprego de funcionários fantasmas, lavagem de dinheiro e outros pecados. No último discurso, o presidente fez questão de lembrar que a avó de sua mulher teve problemas com tráfico de drogas. E a mãe falsificou certidão de nascimento. Uma fábrica de problemas. Sua fala à nação foi estranha, diferente, patética. Ele falou da piscina do Alvorada, do Inmetro, de taxímetros e das namoradas do filho. Tudo para justificar a exoneração de Sergio Moro.

Faz todo sentido monitorar e inibir a atuação profissional de procuradores e policiais federais. Apurar responsabilidades na organização das manifestações públicas contra o Poder Judiciário, o Congresso e o presidente da Câmara é provocar a sorte. Nome de amigos e familiares poderão aparecer nos processos. Isso justifica a pressa e a forma como foi realizada a exoneração do ministro da Justiça.

Passeatas realizadas em Brasília e algumas capitais do país, com faixas pedindo a volta do AI-5, receberam orientação profissional. Não foi o acaso que colocou o presidente na manifestação na frente do quartel general do Exército. Também não foi o acaso que levou um militante a gritar, dia seguinte, diante de jornalistas, palavra de ordem a favor do fechamento do Congresso. Criou oportunidade para Bolsonaro, na frente das câmeras de televisão, afirmar seu compromisso democrático.

Sem Moro, o presidente poderá nomear alguém que não ameace a paz familiar. Blinda filhos e o pessoal do gabinete do ódio que estão sendo investigados na CPI das Fake News. Enfim, o conjunto Bolsonaro&filhos se protege e tenta transformar a Polícia Federal em polícia política. É o primeiro passo no caminho para a ditadura. Faz sentido.

Em outro plano, o novo projeto de ação econômica resulta da pandemia. Em todo o mundo, governos intensificaram os investimentos. Inclusive nos Estados Unidos, a pátria do capitalismo. O mercado não possui instrumentos para reerguer, sem forte investimento estatal, a economia brasileira. Paulo Guedes já deve estar pensando em arrumar malas. E, para completar, o presidente, ciente do crescente isolamento, estabelece contatos com parlamentares integrantes do chamado centrão. Negocia cargos em troca de apoio. Tenta fazer exatamente o que Lula fez. Há lucidez na aparente loucura.

O processo de impeachment está à vista. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já recebeu mais de 20 pedidos. Se ele colocar um deles em pauta, a crise vai escalar. Poderá ser aprovado sem grandes problemas nas reuniões virtuais. Elas são discretas e objetivas. Tramitação rápida. O presidente, que não tem maioria no Congresso, está exposto e depende da boa vontade alheia para sobreviver. Parlamentares brasileiros são especialistas em promover impeachment. Eles sabem como fazer.
 


* Jornalista 

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