Correio Braziliense
postado em 29/04/2020 04:05
A palavra de um líder tem poder. Talvez muito mais do que ele próprio imagine. Donald Trump sugeriu a injeção de desinfetante por pacientes com Covid-19 como forma de limpar os pulmões atingidos pelo novo coronavírus. Resultado: dias depois, os estados de Maryland e Michigan registraram aumento nos casos de intoxicação por produtos de limpeza ingeridos ou injetados. A recomendação do presidente dos Estados Unidos envergonhou médicos, cientistas e até fabricantes de desinfetantes, que se viram obrigados a alertar aos consumidores sobre os riscos do uso incorreto. Trump se apressou em afirmar que foi sarcástico e alegou não ter responsabilidade sobre os casos de intoxicação. Com hospitais quase em colapso, a internação por outros motivos que não a Covid-19 expõe pacientes à infecção e estrangula ainda mais o sistema sanitário.
Líderes comandam, mas também inspiram e servem de exemplo para milhões de seguidores. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro tem emitido mensagens controversas sobre a pandemia, tachada por ele de “gripezinha”. De olho na reeleição em 2022, aparentemente determinou que a economia é prioridade à saúde. Repetiu a cantilena de que o vírus vai infectar 70% da população brasileira. Instou os estados a retomarem as atividades econômicas. Ele mesmo saiu às ruas e se deixou ser flagrado visitando panificadoras, ambulantes e farmácias. Sem qualquer comprovação científica, tornou-se defensor da hidroxicloroquina como medicamento quase milagroso contra a Covid-19. Chegou até a marcar presença em uma manifestação que pedia a volta do famigerado e terrível Ato Institucional número 5, o AI-5, que cerceou liberdades civis durante a ditadura militar.
Atitudes de líderes pressupõem, ou ao menos deveriam, responsabilidade. O desinfetante de Trump é a hidroxicloroquina tupiniquim. Os apelos de Bolsonaro para a flexibilização do distanciamento social podem surtir consequências funestas. Quanto mais gente nas ruas, mais pessoas expostas ao novo coronavírus, mais infectados, menos vagas nas unidades de tratamento intensivo dos hospitais (UTIs), mais mortes e provável endurecimento da quarentena. Não é preciso ser nenhum especialista para compreender essa lógica. Como a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu, novo pico de infecções pode solapar ainda mais a economia.
Enquanto não há tratamento ou cura efetiva para a Covid-19, cuidemos de nós mesmos e tomemos cuidados com as vozes que vêm de cima. O mundo vive uma fase crítica, uma situação não vista há mais de século. Ser incauto no momento equivale a uma questão de vida e de morte. Muito mais do que uma aspiração política ou eleitoral. A grande maioria da população brasileira depende do sistema público de saúde. Se ele entrar em colapso, o risco é de o caminho ao cemitério ser encurtado.
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