Correio Braziliense
postado em 29/04/2020 04:05
Faz duas semanas que começamos a ver os países europeus darem os primeiros passos para relaxar algumas das severas medidas de quarentena adotadas cerca de dois meses antes. Esta semana estamos vendo uma nova rodada de anúncios nesse sentido.
Isso oferece excelente oportunidade de observarmos e aprendermos com as experiências. Nesse sentido, quero chamar a atenção para aspectos que considero instrutivos na forma como os países vêm conduzindo a saída da quarentena.
Primeiro, o relaxamento das medidas de distanciamento social e fechamento de empresas só começou quando o aumento do número de casos caiu para taxas próximas a 1% ao dia. Para exemplificar: na Áustria, o número de casos confirmados da Covid-19 aumentou 0,45% ao dia nos sete dias terminados no domingo passado, sendo que o número total de pessoas doentes caiu 37%. Na Alemanha, as variações foram de, respectivamente, alta de 1,19% ao dia e queda de 15%. Na Dinamarca, alta de 2,16% ao dia e 19% de queda.
Observe-se que não se esperou a propagação do vírus cair para zero, mas para um ritmo que seja administrável pelo sistema de saúde do país. E se espera que o menor número de pessoas recém-infectadas, o uso de máscaras e os cuidados de higiene mantenham a propagação do vírus em baixo patamar.
Também devem contribuir para isso a testagem ampla — ainda que aqui se esbarre na má qualidade de muitos testes — e o desenvolvimento de aplicativos que permitam às pessoas saberem se estiveram próximas a outras que estavam contaminadas. O governo da Austrália, por exemplo, desenvolveu e disponibilizou um aplicativo desse tipo.
Segundo, não há unanimidade sobre qual o ordenamento ideal para o relaxamento das restrições. Fica claro que há muita experimentação no que vem sendo feito e anunciado. Assim, por exemplo, a Espanha começou liberando algumas indústrias e obras de construção e só agora anuncia a intenção de permitir o exercício físico fora de casa para os adultos. A Dinamarca quer começar retornando as atividades escolares de crianças de 3 a 13 anos para liberar os pais para trabalharem de casa. A Áustria liberou as “pequenas” lojas de rua (área de até 400 m2). A Alemanha seguiu caminho parecido. A Itália já anunciou a intenção de liberar os jogos de futebol ainda que sem audiência nos estádios.
Terceiro, fica claro que o impacto dos relaxamentos será monitorado de perto e pode ser revertido rapidamente. Também para isso a capacidade de realizar testes confiáveis, ainda que por amostragem, é fundamental.
A grande lição a extrair é que planejamento, gradualismo e monitoramento são essenciais. Infelizmente, não temos observado nada disso no Brasil. Não há uma coordenação governamental no comando do processo, nem em nível estadual, nem muito menos federal.
Constata-se, assim, que não há um plano de saída da quarentena. Há apenas o desejo de acabar com ela. Também não há um esquema montado de testagem e monitoramento, seja para mitigar o ritmo de contaminação, seja para eventualmente voltar com a quarentena caso isso se mostre necessário.
Me preocupa, em especial, que se esteja querendo sair da quarentena com o número de casos confirmados se expandindo 6,96% ao dia na semana terminada no domingo 26 de abril — pouco menos que os 8,27% ao dia de uma semana antes. Além disso, o número de pessoas doentes aumentou 24% nesses sete dias, o que sinaliza um sistema de saúde crescentemente pressionado.
Não quero com isso subestimar o dano que a quarentena causa para a economia. Nem ignorar que os benefícios e custos da quarentena se distribuem de formas diferentes entre pessoas, setores, municípios e estados. Mas isso não justifica cada um decidir sozinho como proceder, visto que a essência de uma epidemia é exatamente o contágio, uma externalidade por excelência. Também por isso ter uma equipe organizando a saída é tão importante.
Além da coordenação na questão da saúde, é preciso que ela ocorra entre os poderes para minimizar os estragos econômicos gerados pela epidemia.
Estamos indo relativamente bem em criar redes de proteção para famílias e empresas, dentro do possível, mas discutindo de menos o que fazer a respeito do gigantesco problema fiscal que herdaremos da crise.
A quarentena não nos impede de avançar com as reformas econômicas. É preciso ver como ajustar o fiscal, melhorar o ambiente de negócios etc. Não há por que esperar a saída da quarentena para cuidar disso.
* Coordenador de economia aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRS
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