Opinião

Sem poder dizer adeus

Ser impedido de velar, sepultar e dizer adeus aos pais, filhos, avós e amigos queridos é uma experiência que me dói o corpo e a alma só de pensar

Correio Braziliense
postado em 03/05/2020 04:11
Coveiros com roupas de proteção contra o coronavírus em Belo Horizonte - Cemitério do Bonfim-O luto é daqueles períodos mais difíceis na vida de todos nós. É preciso tempo e força para administrar o sentimento de perda, a saudade, o vazio, a angústia do depois. A ausência de quem amamos é uma dor que todos nós podemos mensurar porque, de alguma forma, pela lei natural da vida, passamos ou vamos passar por ela. Mas ser impedido de velar, sepultar e dizer adeus aos pais, filhos, avós e amigos queridos é uma experiência que me dói o corpo e a alma só de pensar.

Os mortos da Covid-19, e já são mais de 6 mil por aqui, se foram sós. Muitos sem possibilidade de fazer seus pedidos finais, dizer sobre seus arrependimentos, confessar seus amores, mandar recados e entregar um olhar de ternura e gratidão a quem fica por aqui, tentando juntar os pedaços. Enterrados a distância, às vezes depois de dias na solidão de leitos de UTI (os que conseguiram), recebem o adeus de longe, de dentro dos carros, das janelas. Parentes choram nas calçadas, rezam em casa e vivem momentos de profundo desespero. 

As covas do coronavírus sempre serão rasas, como se um flanco no chão pudesse se abrir ao fim da pandemia e lá de dentro brotar lágrimas, palavras não ditas, flores não jogadas. Despedidas ficaram no caminho. E o luto há de ser mais longo e ainda mais dolorido. 

O mínimo que essas famílias merecem é solidariedade, compreensão, respeito e, sobretudo, amparo. Elas têm nomes, sobrenome, rosto. Estão por toda parte neste Brasil e também no mundo. Perderam o pai de família, a avó que acarinhava, a mãe que provia, a irmã que era a alegria da casa, o filho que ganharia o mundo, o médico que socorria e tantos outros, todos essenciais — porque toda vida é essencial. A essas famílias, meu sincero respeito.

Ao dizer “E daí?”, o presidente Jair Bolsonaro manda o mais duro recado às famílias destroçadas. Uma pá de cal no sentimento genuíno e único, pelo qual fomos feitos e que é a razão de existirmos em sociedade: o amor ao próximo. É como se enterrasse de vez a esperança de dias melhores para Brasil sob sua condução. Feridas assim, que deixam na população a sensação de abandono à própria sorte por quem deveria ampará-la, não cicatrizam ao fim de uma pandemia. 
 
 
 
 



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