Opinião

Digitalizar o vírus

''A pandemia acelerou a digitalização dos setores de educação e saúde. Não pode haver recuo na ampliação das plataformas. Professores, alunos, pais, médicos e pacientes devem ser digitalizados democraticamente''

Correio Braziliense
postado em 06/05/2020 04:05
''A pandemia acelerou a digitalização dos setores de educação e saúde. Não pode haver recuo na ampliação das plataformas. Professores, alunos, pais, médicos e pacientes devem ser digitalizados democraticamente''Cerca de 40 milhões de estudantes brasileiros estão sendo afetados pela suspensão das aulas por causa do isolamento social. Na área de saúde, o coronavírus ameaça o trabalho de 40 mil equipes de saúde da família, que atendem a mais de 123 milhões de pessoas. No Brasil, sempre existiu um abismo entre os serviços ofertados por instituições públicas e as privadas, mas, em tempos de Covid-19, o fosso se aprofunda ainda mais.

Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMF), a pandemia causou o cancelamento de milhões de consultas e cirurgias. Diante disso, no fim de março, o Ministério da Saúde regulamentou o atendimento médico a distância. A telemedicina será válida durante a pandemia. A modalidade poderá ser usada para atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico tanto em atendimentos do Sistema Único de Saúde quanto da rede privada. Atualmente, cerca de 40% da população sofrem de hipertensão e problemas cardíacos; outros 20% têm diabetes. Essas doenças exigem acompanhamento médico.

Seguindo na mesma linha, o MEC publicou, em 18 de março, a portaria que autoriza meios e tecnologias digitais para a substituição temporária das aulas presenciais em instituições de ensino superior (IES). Mas nem tudo é belo. Em tempos de redes digitais, a realidade do Brasil é muito diferente. Por aqui, o número de desempregados já supera os 11 milhões de pessoas. As condições de moradia são péssimas, segundo pesquisa da ONG Casa Fluminense, mais de 3 milhões de habitações no Brasil possuem mais de três pessoas dividindo o mesmo cômodo.

Pesquisa divulgada pelo IDados mostra que 3% dos alunos do ensino básico das escolas privadas não têm acesso à internet. Já na rede pública, são 21,3% alijados do mundo digital. Isso posto, como conseguir levar o ensino a distância (EAD) a jovens que não têm smartphone, banda larga ou não têm privacidade na hora de fazer o dever de casa?

Vamos ficar só com os dados do governo federal. Examinando os do MEC, descobrimos que o Orçamento da União para 2020 é de R$ 101,2 bilhões, contra R$ 121,9 bilhões de 2019 – segundo análise da ONG Todos Pela Educação. O Brasil tem mais de mil obras de creches e pré-escolas paradas e o menor repasse de verbas para as creches e pré-escolas dos últimos anos.

Considerando os bilhões gastos em cimento para levantar muros de escolas e para a compra de papel para livros — muitos esquecidos em depósitos empoeirados — é importante repensar a utilização do dinheiro. É preciso aproveitar as oportunidades advindas das novas tecnologias de ensino, de forma a levar o que há de mais moderno a estudantes de todo o país. O que estamos assistindo em escolas privadas pode ser, também, levado a locais onde a violência fecha escolas. Por que não usar o EAD para manter as aulas onde balas perdidas insistem em ceifar jovens vidas? Podemos trocar o cimento pelo smartphone ou o tablet.

Não se vai partir do zero. De acordo com a 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), em 2019 o país teve perto de 420 milhões de aparelhos digitais ativos. O uso de celulares se destaca: são 230 milhões de smartphones contra 180 milhões de computadores, notebooks e tablets em uso no Brasil. O país tem mais celulares do que almas.

É preciso expandir a infraestrutura de telecomunicações para locais mais remotos a fim de democratizar o acesso às plataformas que já são ofertadas a alunos e pacientes de redes privadas. A tecnologia pode ser compartilhada pelas áreas de educação e saúde, uma vez que a telemedicina começa a se tornar realidade por aqui. Quando se leva em conta o compartilhando, os investimentos se tornam economicamente viáveis, desafogando a busca de atendimento de moradores de cidades do Entorno pela rede de saúde do Plano Piloto, por exemplo.

A pandemia acelerou a digitalização dos setores de educação e saúde. Não pode haver recuo na ampliação das plataformas. Professores, alunos, pais, médicos e pacientes devem ser digitalizados democraticamente. Vários desafios estão nascendo, mesmo que a toque de caixa, e nos levarão ao rompimento de modelos tradicionais. Na educação, o isolamento social nos guiará a nova forma de ensino, que não se dissipará quando a Covid-19 for vencida. Sigamos.



* Mestre em administração pelo Ibmec-RJ, é consultor de TI 

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