Correio Braziliense
postado em 07/05/2020 04:05
O lugar-comum, tantas vezes repetido, peca pela falta de originalidade. Muitas vezes, porém, impõe-se pelo poder de comunicação. É o caso de “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Criada por Confúcio há quase 2.600 anos, a frase traduz com instantaneidade a mensagem que exigiria dúzias de vocábulos e parágrafos para ser transmitida.
Não raro com o risco de, ao chegar à ponta do receptor, tropeçar no imponderável. Ocorre, então, o que Mário Quintana explicou com fina ironia: “A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra, o leitor entende uma terceira coisa. E, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita”.
A observação vem a propósito da falta de sintonia entre as ações das autoridades e as urgências da população. De um lado, as filas da Caixa e dos hospitais. De outro, a sucessão de crises políticas, que dispersam a atenção, roubam energia e desviam o foco. Em plena pandemia, que ceifa vidas por atacado, exige isolamento social e cava fosso abissal na economia, criam-se fatos que deixam as emergências em segundo plano.
Nas últimas semanas, sobressaiu a demissão dos ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública. Também caiu o diretor-geral da Polícia Federal. Agora se fala na queda da secretária da Cultura. Ocupantes de cargos de confiança são demissíveis ad nutum. Assim como entram, saem por vontade do mandatário. O problema é a oportunidade: a coisa propriamente dita de Mário Quintana. São as duas imagens que ganharam nome macabro — filas da morte.
O auxílio emergencial de R$ 600 para socorrer os brasileiros sem emprego formal e sem fonte regular de renda não chega ao destino. O governo calculava 54 milhões de beneficiários, mas eles ultrapassam 70 milhões. São os invisíveis, que mostraram a cara em plena pandemia. Sem organização e sem medidas aptas a atendê-los com a urgência que a fome clama, reprisa-se triste espetáculo dia após dia: milhares de pessoas em filas, sem máscaras e sem a distância obrigatória. A burocracia insensível as obriga a transformar a rua em casa, a calçada, em cama.
Sob o olhar indiferente das excelências protegidas nas salas carpetadas da Esplanada, candidatam-se a engrossar a outra fila — a dos pacientes que aguardam um leito na UTI ou um respirador. Na visita a Manaus, o ministro da Saúde viu a tragédia de perto. O New York Times a estampou na primeira página: centenas de covas abertas por retroescavadeiras. É a imagem do que vale mais que mil palavras.
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