Opinião

O ensino não será mais o mesmo

''Hoje, fico aqui imaginando: quantas palestras fiz sobre como seria a sala de aula do século 21? E, de repente, descobrimos que ela não existe''

Correio Braziliense
postado em 07/05/2020 04:05
''Hoje, fico aqui imaginando: quantas palestras fiz sobre como seria a sala de aula do século 21? E, de repente, descobrimos que ela não existe''Da noite para o dia, 1,5 bilhão de estudantes ficaram sem ir à escola ou ao câmpus universitário em todo o mundo. Isso representa aproximadamente 9 de cada 10 estudantes. Em consequência, as instituições de ensino, públicas ou particulares, de nível básico ou superior, se viram na necessidade de oferecer um currículo on-line, incluindo tanto atividades síncronas quanto assíncronas. Aqui no Brasil, os sistemas particulares de ensino, na esfera da educação básica, se reorganizaram relativamente rápido, ao contrário do sistema público, como reflexo da enorme desigualdade social e econômica, especialmente quanto ao acesso à internet de banda larga.

Há o receio, e bastante compreensível, de que o novo cenário amplie ainda mais a desigualdade. Mas fiquei particularmente impressionado com os esforços das secretarias de Educação de todo o país buscando estratégias para que os alunos da rede pública não ficassem sem aulas, mediante atividades não presenciais, que foram agora regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação.

O coronavírus mexeu com o mundo, com a nossa vida e, naturalmente, com a educação. Isso foi muito bem retratado em recente entrevista concedida por Jeff Maggioncalda, diretor-executivo da Coursera, ao Yahoo Finance’s On the Move. A Coursera é uma importante plataforma de ensino na qual dezenas e dezenas de universidades prestigiosas de todo o mundo oferecem cursos de atualização e aprimoramento profissional. Em março, quando a pandemia começou a se alastrar, a empresa concedeu acesso gratuito ao seu catálogo de cursos a todas as universidades afetadas. E, de lá para cá, como afirmou Jeff Maggioncalda, a Coursera recebeu 17 mil consultas de faculdades de todo o mundo e ajudou a ativar o currículo on-line para mais de 2 mil universidades. 

Pesquisa da empresa de tecnologia educacional Bay View Analytics revelou que 70% dos professores dos Estados Unidos nunca haviam ministrado aulas virtuais antes da pandemia. Em muitas universidades, foram iniciados treinamentos para os professores darem aulas on-line. O modelo da caixa única de ensino presencial foi fortemente afetado.

Todavia, os sinais de que seria preciso mudar o modelo educacional já se manifestavam havia algum tempo. Por exemplo, no fim do século 20, a Escola do Futuro da USP fez uma pesquisa com seus estudantes, e o que eles responderam dialoga com o novo cenário: 62% deles gostariam que as aulas fossem oferecidas a distância, usando novas ferramentas de tecnologia de informação; 55% gostariam de montar os próprios cursos; e 41% acreditavam que as salas de aula não mais seriam em um lugar físico específico. 

Hoje, fico aqui imaginando: quantas palestras fiz sobre como seria a sala de aula do século 21? E, de repente, descobrimos que ela não existe. Existirão muitas salas de aula em diferentes ambientes e diversas possibilidades de aprendizagem. O modelo único de ensino morreu. Demoramos muito a entender isso. Foi preciso a chegada de um coronavírus para que tivéssemos a coragem de experimentar a mudança. Costumo dizer que o coronavírus funcionou como catalisador, a substância que acelera a velocidade das reações químicas.

Naturalmente, um dia as coisas voltarão a ser mais próximas ou não (só o tempo dirá) do que eram antes do coronavírus, mas não serão mais as mesmas. Fazendo nova analogia com a química, quando um sistema em equilíbrio é perturbado por algum fator externo, como mudança de temperatura ou de pressão, ele se desloca para encontrar novo equilíbrio. O tempo necessário para encontrá-lo depende da natureza do sistema. Como o sistema Terra se comportará pós-covid-19 só o tempo dirá.

Concluo estas reflexões com dois trechos da linda música de Lulu Santos e Nelson Motta, Como uma onda: “Nada do que foi será / de novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará /.../ Tudo que se vê não é / igual ao que a gente viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo no mundo...”


* Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP-Ribeirão Preto e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) 
 

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