Correio Braziliense
postado em 08/05/2020 04:05
Rememorando
Ulysses Guimarães tratou de formular a Carta Magna. Ao longo de 20 meses, 559 parlamentares, com exceção dos trabalhos coletivos, trabalharam para entregar ao país um conjunto de leis modernas e possíveis, dentro do contexto e dos acontecimentos daquela época. Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Cidadã foi, como nenhuma outra anteriormente, testada a fogo e ferro e garantiu, em momentos conturbados, a manutenção e a normalidade das instituições, sobretudo, da democracia. Impediu que o país caísse numa espécie de abismo institucional, com resultados gravíssimos. É preciso salientar que, por muito menos, outras constituições pereceram por não suportar abalos políticos.
De todos os solavancos sofridos pela Constituição de 1988, nenhum se compara aos 13 anos de governo petista. Durante aquele período, e até com reconhecimento do próprio Lula, em 2013, o país seria ingovernável, caso o texto proposto pelas esquerdas fosse aprovado. As seguidas tentativas de transformar o Brasil num regime aos moldes cubanos, como pretendido a partir do Foro de São Paulo, em 1990, ou com a criação da Unasul, em 2004, e até por meio do pesadelo da Ursal, de 2001, encontraram na Carta de 1988 um forte empecilho.
Aliás, foi graças à nova Carta que o país foi protegido de aventuras inconsequentes, cujo os desdobramentos poderiam, inclusive, resultar em confrontos fratricidas. Nesse ponto, vale destacar a estruturação do Ministério Público como órgão independente, o que inauguraria a possibilidade de uma nova época, com o surgimento do combate efetivo à corrupção. Com isso, as leis ganharam uma nova dimensão de respeito, principalmente, com a exigência de maior publicidade e transparência nos atos públicos, o que, por sua vez, ensejou os atributos da meritocracia. Foi graças a esses mecanismos legais trazidos pela Constituição que se tornou possível dar início ao combate à corrupção e à secular impunidade dos criminosos do colarinho branco, algo até então impensável.
Não resta dúvida de que a Constituição de 1988 deixou um legado democrático e humanista, justamente por resgatar os direitos fundamentais dos indivíduos e da sociedade, o que foi contemplado no capítulo referente ao Estado Democrático de Direito, baliza da cidadania e da justiça social. Sem essa importante Carta, é certo que o Brasil não atingiria a maioridade política que pudesse o igualar aos países mais desenvolvidos do Ocidente.
Se como dizia Thomas Jefferson, a Constituição é para os vivos, e não para os mortos, o que abriria uma oportunidade para cada geração de adequá-la à realidade de seu tempo. A nossa Carta, seguramente, ainda não pode ser testada em toda a sua amplitude e profundidade aos novos ventos que, em nosso país, sopram como tempestades. Há, ainda, um longo caminho a percorrer sob a égide desse conjunto de leis revolucionárias, embora não se despreze, de todo, algumas emendas necessárias a aperfeiçoá-las conforme avançamos na democracia
Nesses anos que nos separam daquele 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada, com o que de mais avançado havia em termos de ordenamento jurídico, o país, seguramente, viveu momentos de graves crises institucionais e, em todos esses acontecimentos, o escudo propiciado pela Constituição soube proteger o transatlântico Brasil das águas turbulentas. Esse, talvez, foi o mais valioso legado herdado pelos brasileiros nas últimas décadas e, sem dúvida, o mais vital.
Logicamente, como toda obra humana, a nossa Constituição, vista no presente, tem necessitado de pequenos reparos para continuar atualizada e útil. Talvez, um dos pecados que podem ser identificadom em sua origem é que a Assembleia Constituinte não tenha sido instalada exclusivamente para a elaboração da Carta e, logo após a promulgação, foi dissolvida. Os políticos que tomaram posse em 1987 sabiam que teriam que conciliar os trabalhos normais do Legislativo com a elaboração da Carta e que continuariam no Congresso após o término dessa missão. Com isso, o chamado Centro Democrático, um conjunto de parlamentares da velha política, atuou como pode para a preservação de certos pontos vantajosos e do antigo status quo.
Naquela época, como lembrou o relator da Constituição, deputado Bernardo Cabral, “os corredores do Senado e da Câmara dos Deputados fervilhavam de pessoas”. Eram milhares de brasileiros de todos os setores do país levando e trazendo propostas e abaixo-assinados para serem incluídos na nova Carta. Após muita discussão e embates, e depois de tramitar nas comissões especiais, o projeto final foi submetido a discussões em nada menos do que 119 sessões no plenário. As brigas e desentendimentos acalorados eram contidos pela experiência e serenidade de Ulysses Guimarães.
Para alguns analistas, o fato de a Constituição ser redigida pelos políticos que seguiam em seus mandatos fez com que a nova Carta favorecesse, em demasia, os sistemas partidários e sua fragmentação em um número grande de legendas sem lastro popular ou conteúdo programático coerente. Dessa forma, parte do poder acabou sendo capturado por grupos de pressão, dando origem às atuais bancadas, muitas das quais com atuação totalmente contrária à vontade popular fechadas em seus nichos de interesse.
Essa atuação em causa própria fez com que os constituintes optassem por um modelo que levou a República a se render a um presidencialismo do tipo coalizão, em que o Executivo ficaria doravante a reboque dos interesses de grupos dentro do Legislativo. Tal modelo favoreceu a política do toma lá dá cá, que, durante os últimos governos petistas, foi elevado ao paradoxo surreal do mensalão, com a compra pura e simples de grande número de parlamentares dentro do Congresso.
Alguns outros aspectos, como a vinculação obrigatória de qualquer candidato a um partido político, conferiram um certo monopólio da democracia a apenas essas legendas, impedindo a participação política de brasileiros na vida pública e nos destinos do país. Passados todos esses anos, alguns reflexos negativos ainda são observados no ordenamento político do país, como provam às recentes minirreformas partidárias, conferindo bilhões de reais às legendas nas rubricas do fundo partidário e do fundo eleitoral, além do corporativismo acentuado, das deformações operadas na Lei de Abuso de Autoridade, nas medidas de combate à corrupção, e na manutenção de infindos privilégios de toda a ordem.
De certa forma, a democracia foi capturada pela classe política, criando uma hipertrofia de um Poder em relação aos demais. Com isso, abriram-se brechas para um constante desequilíbrio entre os Poderes, ora favorecendo um, ora outro, em contraposição à vontade popular, obrigando milhões de brasileiros a saírem seguidamente às ruas em manifestações contra um Poder ou outro.
História de Brasília
Um homem feliz, ontem, em Brasília, era o sr. Darci Ribeiro, idealizador da Universidade de Brasília, na posse do Conselho Universitário. (Publicado em 6/1/1962)
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