Correio Braziliense
postado em 08/05/2020 04:05
Os principais analistas econômicos estão firmando seus prognósticos em cenário bem mais próximo ao de uma recuperação a médio e longo prazos do nível de atividade econômica pré-pandemia do que ao de um cenário recessivo passageiro. O processo mais lento de retomada, se não revertido rapidamente, trará a reboque a quebra de número significativo de empresas, grande aumento do desemprego, além do risco de esgarçamento do tecido social e a instabilidade da ordem social.Dessa forma, podemos afirmar que anúncios de medidas para dois, três ou seis meses, quer para a criação de uma rede de proteção social e sobrevivência das empresas, quer para a subsistência dos demais entes federados, estados e municípios, não são de extensão compatíveis com a realidade que se apresenta para a maioria dos especialistas.
Neste momento, nos deparamos com o primeiro dos pontos a serem enfrentados, qual seja, o de que se é esse o entendimento da alta gestão de nossa política econômica. Vemos que recentes declarações nos levaram a contar com a frequente renovação das ações de horizonte apequenado, enquanto já nos resta evidente que a aplicação dos recursos pode e deve servir para atuação mais bem planejada e com melhores resultados a serem obtidos.
Neste cenário, observamos dois aspectos do mais famoso programa de recuperação econômica implementado na história recente mundial. Primeiramente, o de que a demora na tomada das medidas anticíclicas batizadas de New Deal, plano implementado a partir de 1933 nos Estados Unidos, somente quatro anos depois do surgimento de quadro depressivo, agravou sobremaneira os efeitos dramáticos para todos os agentes envolvidos. Eram outros tempos e outra velocidade de circulação de informações.
Entretanto, a partir do momento em que foi iniciado tal programa, que durou mais de uma década, deixou como legado àquela nação um conjunto de obras estruturantes que passaram, como mero exemplo, pela criação de uma das maiores malhas viárias do mundo, fortalecimento da agricultura, alcançando até a solução para boa parte das inundações que assolavam, até então, várias de suas regiões, por intermédio da construção de grande sistema de represas fluviais e usinas de geração de energia hidrelétrica, amparando, assim, o grande salto industrial a que se seguiram tais medidas.
Importante ressaltar que não estamos a tratar do quanto gastar, tomando por premissa o não negacionismo do desafio apresentado. Também não propomos que se desconheça que insucessos passados, culposos, dolosos ou aleatórios de tentativas de implementação de planos anticíclicos em nosso país ainda trazem forte repulsa a boa parte de quem forma opinião. O que aqui afirmamos é que, em se encarando o tamanho e a complexidade do problema em sua correta dimensão e, utilizando-se de mecanismos modernos e testados internacionalmente de estruturação de medidas de impulsionamento econômico, pautando-os pela transparência, legalidade e coparticipação da iniciativa privada, teremos não só a diminuição do preço a ser pago por uma sequência de medidas soltas e pontuais, mas também poderemos sanar, coordenadamente, mazelas que se arrastam há séculos no país.
Em poucos e óbvios exemplos, vemos que o Brasil apresenta, hoje, deficit de 8 milhões de unidades habitacionais, onde menos da metade da população conta com saneamento básico, que faz uso de um sistema de saúde heroico diante das condições estruturais, e oferece educação básica e fundamental sabidamente claudicantes. Há muito a ser feito.
A necessidade de foco em nossos reais problemas e a apresentação de medidas que dissipem a ilusão clientelista do assistencialismo de curto prazo são aspectos tão urgentes nesta quadra que atravessamos quanto o heroico esforço dos profissionais de saúde na linha de frente de combate ao mal ou o empenho da comunidade científica na descoberta da vacina que nos livrará dos próximos colapsos dos sistemas de saúde mundiais, quando da próxima onda de propagação da peste.
Quanto antes superemos a fase do negacionismo do que seremos obrigados a enfrentar, queiramos ou não, mais firmemente poderemos reverter tal quadro, criando um ciclo de verdadeira retomada do potencial econômico, lembrando aqui de Gonzagão, quando, há mais de meio século, nos ensinou que “uma esmola a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
* Economista, é sócio-diretor da PPK Consultoria
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