Correio Braziliense
postado em 09/05/2020 04:04
Os efeitos da pandemia nas sociedades evidenciam questões como colapso na saúde, aumento da pobreza, crise econômica e política, trabalho remoto, solidariedade e restrição a espaços públicos. Mas há outros temas dificilmente destacados, parecendo uma espécie de subnotificação tendenciosa, desde o âmbito internacional até nacional, em especial no Distrito Federal.
Nestes últimos dias, despertei para algumas reflexões sobre Estado, informações veiculadas, relações étnico-raciais, classes e a própria covid-19 no Brasil. Um dos primeiros casos que me chamaram a atenção se refere à potencialização do papel do Estado e dos serviços públicos gratuitos, como o Sistema Único de Saúde (SUS), em tempos de crise econômica e sanitária. Talvez muita gente defensora do Estado mínimo esteja revendo seu posicionamento. É irônico e, ao mesmo tempo, complexo ver o mercado mais uma vez pedindo socorro ao Estado.
Em geral, os noticiários brasileiros acerca dos assuntos internacionais políticos, econômicos e sofrimentos humanos se resumem aos Estados Unidos, Europa e parte da Ásia. Alguém tem notícias da América Latina e da África? Existe uma seleção tendenciosa de informações a ponto de invisibilizar determinadas realidades sociais, inclusive fora dos grandes centros hegemônicos, como se os problemas de uns fossem mais merecedores de ser noticiados que de outros.
O olhar da grande mídia sobre alguns assuntos não traz as especificidades dos impactos da pandemia em diferentes grupos raciais, étnicos e de classe, se limitando às taxas de contaminação e mortes em áreas urbanas e rurais e por faixa etária, conforme os últimos Boletins Epidemiológicos sobre a covid-19 da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Ao acompanhar as notícias e os dados da Secretaria de Saúde do DF, observei a não atuação generalizada do vírus. Nas áreas de maior renda per capita, a relação entre quantidade de pessoas infectadas e mortas tem certa distância em relação às áreas mais populares. Nas periferias, entre o percentual de pessoas infectadas, a taxa de óbito é proporcionalmente maior. Há uma tendência de atuação desigual do vírus baseada nas desigualdades sociais.
Se levarmos em consideração que a maioria dos brancos mora em áreas mais privilegiadas, como Lago Sul, Plano Piloto e Águas Claras, e os negros, nas áreas menos privilegiadas, como periferia e Entorno do Distrito Federal, é possível deduzir que a letalidade da covid-19 incide mais sobre negros e pobres. Apesar de o vírus não estabelecer critérios de pessoas a serem infectadas, as dinâmicas das desigualdades sociais podem atribuir um comportamento social aos efeitos do vírus, daí as diferenças entre pessoas contaminadas e mortas conforme os critérios de renda, cor/raça e localidade.
As falsas contradições entre economia x saúde/dinheiro x pessoas estão no centro do debate público no Brasil e no mundo. Enquanto a OMS e os profissionais de saúde recomendam medidas de contenção do vírus para preservar vidas, o governo de Bolsonaro quer o controle da situação em prol da economia. Controle é sinônimo de gerenciamento, e o discurso do presidente é que a economia não pode parar, apesar dos milhares de mortes inevitáveis. Esse discurso considera pessoas e trabalhadores comuns como “peças de reposição”. Portanto, a saúde da economia é mais importante do que a saúde das pessoas.
Esses assuntos nem sempre são simples de ser entendidos. Enquanto muitas famílias populares se preocupam mais em receber o baixo auxílio de R$ 600 para comprar alimentos e outros produtos, quando os recentes preços abusivos dos alimentos e dos materiais refletem o velho oportunismo do capital, famílias de poder aquisitivo elevado reúnem mais condições materiais, alimentares, psicológicas e sanitárias para enfrentar adequadamente a pandemia.
Por fim, algumas das recomendações da Organização Mundial de Saúde são replicadas nos países para conter a velocidade de transmissão da covid-19. Neste momento, é ficar em casa e sair só se necessário. Felizmente, grande parte da população segue essas e outras recomendações por serem as mais adequadas. O ideal seria que todos aderissem à ação preventiva e de contenção. Qualquer decisão diferente adotada pelas pessoas poderá ter natureza político-ideológica à beira do achismo esquizofrênico.
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