Correio Braziliense
postado em 12/05/2020 04:04
Era uma vez um rei muito vaidoso. Para ele, o mais importante eram as roupas. Dois malfeitores espalharam a notícia de que tinham a capacidade de tecer trajes invisíveis aos simplórios e aos inadequados para ocupar determinados cargos. Sua Majestade encomendou um. Quando ficou pronto, convocou a população para o desfile. Ele vestiu o nada e exibiu-se nas passarelas. A multidão o aplaudiu. Uma criança, surpresa com a cena, gritou: “O rei está nu”.
O conto de Hans Christian Andersen tem muito a ver com o Brasil desvendado pela pandemia do novo coronavírus. Uma das 10 maiores economias do mundo é nação dividida. De um lado, a população cujo padrão de vida corresponde ao ranking que o país ocupa no topo dos Estados ricos. De outro, a massa de brasileiros cuja sobrevivência se equipara à de habitantes de regiões africanas marcadas por conflitos, doenças e violência.
Embora estivesse à mostra, a nação de pobres se banalizou. Tornou-se parte da paisagem. É o caso das favelas escancaradas ao lado dos bairros elegantes. Ou dos 35 milhões de cidadãos sem acesso a água tratada e dos 100 milhões sem coleta de esgoto. Ou das dezenas de milhões de homens e mulheres que, vítimas sobretudo da má qualidade da educação, são excluídos dos empregos formais e dos benefícios previdenciários.
As filas que dobram esquinas – apesar da necessidade de isolamento social – exibem a dimensão da tragédia. Previsto para atender 54 milhões de pessoas, o auxílio emergencial de R$ 600 deve chegar a 70 milhões. Não por acaso receberam a denominação de invisíveis. Eles retratam bem o patético dos dois Brasis: informações são dadas por celular para multidão sem acesso à internet.
Guilherme Benchimol, presidente e fundador da XP Investimentos, deixou clara a insensibilidade de parcela do país em relação à outra. Quando a curva de mortos pela covid-19 chegava a 10 mil e segue em ascensão, ele afirmou que o Brasil está bem em relação à doença: “O pico já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta. O desafio é que o Brasil é um país com muita comunidade, muita favela, o que acaba dificultando o processo todo”.
A pergunta que se impõe: se o problema são os pobres, que medidas estão sendo tomadas para mudar as condições socioeconômicas da terça parte da população brasileira? Passada a pandemia, os políticos e a sociedade aceitarão manter o Brasil exposto pelo coronavírus? O vírus mostrou que o rei está nu. E agora?
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