Correio Braziliense
postado em 18/05/2020 04:42
A cena foi constrangedora. Na coletiva de segunda-feira passada, um repórter pergunta ao então ministro da Saúde, Nelson Teich, se ele sabia do decreto que incluía salões de beleza, barbearias e academias de ginástica entre as atividades essenciais – e cujos profissionais poderiam voltar ao trabalho neste período de pandemia. Visivelmente surpreendido, olhou para o lado pedindo ajuda ao seu ex-secretário-executivo, o general Eduardo Pazuello, tão perplexo quanto. A resposta foi um equilibrismo mental, com algumas gaguejadas e a nada convincente explicação de que o decreto, que o ultrapassara pelo acostamento, partira do Ministério da Economia.Teich mal chegou e já saiu. Se existe um marco temporal para a decisão que tomou, um fato no domingo anterior pode defini-lo: sua manifestação pública de solidariedade às vítimas da covid-19, no Dia das Mães, em uma rede social, destoou de um governo cujo presidente diz que “devemos enfrentar o vírus como homens, porra!”. Coincidentemente, no começo daquela noite, na entrada do Alvorada, Bolsonaro excitou a claque de bocós que se veste com o verde da raiva e o amarelo da febre: baixaria um decreto liberando mais gente para voltar ao trabalho. No dia seguinte, veio a humilhação.
O substituto de Mandetta chegou ao Ministério com as asas cortadas. Se apresentou tentando mostrar a mínima afinidade com o primitivo à frente desta nação, mas a realidade o aprumou. Um oficial de alta patente do Exército foi colocado como seu segundo na pasta, talvez para tornar a versão em fato. Mas o pecado de Teich foi ter mostrado empatia com os mortos e seus parentes.
O apreço pela vida humana é intolerável para qualquer bolsonarista, esteja ele nos governos, nas casas legislativas ou nas domingueiras (às vezes sabatinas) golpistas. Mesmo com a pandemia em rota ascendente, há quem distribua notícias falsas sobre a covid-19, com números manipulados, somente para ser replicado pelo próprio presidente. A subserviência é, por definição, irresponsável.
Diariamente, Bolsonaro propõe uma nova delinquência, que é abraçada pelos seus supostos 30% do eleitorado. Na quarta-feira passada, ele voltou a receitar a cloroquina, apesar das dúvidas sobre a substância no combate ao coronavírus. Teich viu sua incontestável experiência médica ser menosprezada por um curandeiro. Assim, jutou-se a uma lista de personagens imolados em praça pública, em quase um ano e meio, para horror dos brasileiros civilizados.
Nesse momento, nunca é demais lembrar Churchill, que continua sendo um dos faróis do Ocidente nos momentos de crise profunda. Disse ele, certa vez, que “fanático é aquele que não consegue mudar de opinião e não aceita mudar de assunto”. Mas, para o intelecto de Bolsonaro, Churchill foi apenas um primeiro-ministro beberrão e tabagista.
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