Correio Braziliense
postado em 18/05/2020 04:42
O novo coronavírus chegou de maneira avassaladora, desafiando especialistas de diversas áreas, da saúde à economia, e até no comportamento do mundo inteiro. Ao longo dos últimos meses, previsões otimistas ou pessimistas sobre inúmeros setores estão caindo por terra.Neste momento, pergunto-me se um dos motivos que levaram a população mundial a chegar a esse ponto, com uma pandemia sem precedentes, não é justamente porque nos especializamos demais. Vou além. Será que um profissional voltado à atenção básica da saúde, o que antigamente atendia a toda a família, não poderia ajudar, com aspectos de prevenção, para evitar ou minimizar que tivéssemos chegado a tal ponto?
Em termos de saúde, alcançamos um nível tão alto de fragmentação entre áreas médicas que pouco observamos o quanto um generalista, um profissional voltado à atenção básica, pode ser importante. É preciso pensar que um médico de família, por exemplo, tem função de educação também.
Há algumas décadas, isso era muito claro. Sem tantas especialidades médicas rigidamente separadas que, não podemos deixar de reconhecer, são importantíssimas, um profissional acompanhava a evolução de um mesmo grupo de pessoas por anos, conhecendo muito bem o histórico de cada um de seus componentes. Era ele quem ensinava, inclusive, hábitos de higiene e limpeza e disseminava esse conhecimento.
O Ministério da Saúde reconhece o papel desse profissional e, entre muitas outras, sua responsabilidade sanitária. E a covid-19 justamente aponta que vivemos um problema sanitário. Por isso, a relevância da higiene. O médico da atenção básica tem o dever de, por exemplo, ensinar a lavar corretamente as mãos. Simples assim, mas fundamental.
Devemos repensar nossa estrutura de saúde e voltar a valorizar profissionais dedicados à integralidade do bem-estar das pessoas. A especialização foi e sempre será fundamental dado o progresso da medicina, mas não deveríamos ter praticamente abandonado a experiência do médico de família.
Com todo o histórico que carrega, esse profissional pode, entre outras coisas, antecipar e prevenir problemas. Ele tem que ser encarado como aliado de valor no gerenciamento de situações críticas, como a que estamos passando.
A retomada desse movimento teve início, de certa forma, com as operadoras de saúde, que observaram que é muito mais eficaz e sustentável prevenir uma doença do que tratá-la. Mas é preciso muito mais. O poder público tem que encampar fortemente essa ideia. A atenção primária deve ser, de fato, a principal base do sistema de saúde.
Por ora, em meio a esta pandemia, resta-nos o isolamento, única iniciativa comprovadamente eficaz segundo a comunidade científica internacional, para achatarmos a curva de contágio do novo coronavírus. Sem falarmos da realização de testes e de questões de higiene, pois, até nesta situação, um médico de família é fundamental.
Ele pode ser o disseminador da mensagem de que o isolamento social é relevante, de que a distância significa proteção conosco e com os outros. O olho no olho de uma pessoa que conhecemos bem e de nossa confiança é um instrumento poderoso de convencimento. Muito mais efetivo do que a corrida desenfreada para ir a hospitais e, consequentemente, superlotar unidades.
Na retomada do que conhecemos por vida normal, é fundamental um médico que nos ensine de uma maneira lúdica, mas correta, hábitos de higiene, que nos conheça em nossa integralidade. Esse profissional pode salvar inúmeras vidas e minimizar o efeito que pandemias como esta causam nos sistemas de saúde do mundo todo. Tudo o que precisamos neste momento.
* Médico, é presidente da Cebtral Nacional Unimed
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