Opinião

Salvar vidas ou proteger empregos?

''No Brasil, ainda nos encontramos no meio de um falso debate entre proteger vidas e salvar empregos, como se houvesse uma escolha de Sofia entre as medidas de isolamento horizontal e vertical''

Correio Braziliense
postado em 22/05/2020 04:05
Sabemos que toda crise tem começo, meio e fim. Logo, para que possamos enfrentar o inimigo comum de pé e com o olhar fixo na vitória, é necessário termos racionalidade e união, com um coração fraterno para proteger os mais vulneráveis. Foi com esse espírito que o G-20 anunciou uma injeção de U$ 4,8 trilhões na economia global para combater os impactos sociais, econômicos e financeiros da pandemia. Somados, esses países representam 90% do PIB global, 80% do comércio internacional e dois terços da população mundial.

A determinação do último encontro foi de não poupar esforços para: (i) proteger vidas; (ii) salvaguardar os empregos e a renda das pessoas; (iii) restaurar a confiança, preservar a estabilidade financeira, reativar o crescimento e recuperar-se mais forte; (iv) minimizar interrupções no comércio e nas cadeias de suprimentos globais; (v) prestar ajuda aos países que precisem de assistência; e (vi) coordenar medidas de saúde pública e financeiras.

Se a covid-19 expõe as fragilidades dos sistemas de saúde mundiais, também demonstra o poder da nossa interconectividade para compartilhar informações referentes à prevenção, proteção, controle e respostas à disseminação internacional de doenças. Assim, será inevitável, daqui para frente, a plena implementação do Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em resumo, o vírus não respeita fronteiras, a solidariedade, também não.

No Brasil, ainda nos encontramos no meio de um falso debate entre proteger vidas e salvar empregos, como se houvesse uma escolha de Sofia entre as medidas de isolamento horizontal e vertical. Em política pública, o sequenciamento das ações altera o resultado final. Sem a recomendação de medidas de isolamento domiciliar mais rigorosas, em um primeiro momento, não teríamos como evitar o colapso do nosso sistema de saúde, sendo que ainda não estamos totalmente livres dessa catástrofe.

Da mesma forma, é inevitável, após o ápice da epidemia, migrarmos para o isolamento vertical, em que somente os grupos de risco terão que ter tratamento especial, sob pena de sucumbirmos diante do segundo tsunami, a depressão econômica. Podemos não ter percebido, tendo em vista a polarização política que nos assola, mas estamos tomando decisões em linha com o que foi referendado no G-20: salvar vidas e minimizar os impactos sobre a economia.

Precisamos de uma sintonia fina na comunicação entre os ministérios da Saúde e da Economia, com a certeza de que as três principais armas para sairmos vitoriosos são: (i) previsibilidade, o que implica sabermos da capacidade de atendimento do nosso sistema de saúde, de forma regionalizada, e da trajetória da curva epidemiológica que demonstre que conseguimos achatá-la; e (ii) salvaguardas para economia, calcadas em auxílios financeiros e creditícios para que os trabalhadores e empregadores tenham a convicção de que esse choque externo é superável e temporário, assim como benefícios fiscais para que estados e municípios também possam agir de forma descentralizada.

Existe uma máxima no Brasil que falar mal de governo é tão bom que não deveria ser monopólio da oposição. Em que pese admirar nosso espírito descontraído, é importante destacar duas importantes medidas, respiradores pulmonares da economia: (i) auxílio emergencial de R$ 600 (aperfeiçoamento do Congresso Nacional) por pessoa durante três meses, limitado a R$ 1.200 por família, o que beneficiará desempregados, autônomos e microempreendedores de baixa renda; e (ii) financiamento da folha de pagamento das pequenas e médias empresas (faturamento anual de R$ 360 mil a R$ 10 milhões) pelo Banco Central, com 85% de garantia pelo Tesouro Nacional e 15% dos bancos, com teto de dois salários mínimos por funcionário. São medidas importantes, mas é preciso ter um olhar ainda mais solidário com os beneficiários do Bolsa Família e com as microempresas.

Uma frase famosa de Mike Tyson ilustra bem o primeiro momento que vivemos na crise: “Todo mundo tem um plano até tomar o primeiro soco na cara.” Passado o primeiro knockdown, é importante dizer que um campeão é conhecido pela capacidade de absorção de golpes e reação. Nossos economistas liberais entenderam a importância de medidas econômicas keynesianas em tempo de guerra. Quando nossos economistas heterodoxos extremistas aprenderem a importância da responsabilidade fiscal em tempo de paz, seremos um país desenvolvido. O mais importante é que começamos a dar passos na mesma direção: salvar vidas e empregos.
 
* Diretor do Grupo Mongeral Aegon 

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