Opinião

Socorrer estados e municípios para garantir vidas

''A declaração do ministro Paulo Guedes de que o congelamento salarial dos servidores era necessário para garantir ajuda a estados e municípios é, sem meias palavras, daquelas mentiras a que se referiram Belluzzo e De Bolle. Além de falsa, mais uma demonstração de desapreço do ministro pelos funcionários públicos do país''

Correio Braziliense
postado em 22/05/2020 04:05
Diante da maior crise sanitária e financeira da nossa história, o Congresso Nacional aprovou um plano de apoio a estados e municípios com um volume de recursos financeiros insuficiente em face das reais necessidades dos entes subnacionais — os que estão na linha de frente da guerra contra a covid-19. O valor aprovado originalmente pela Câmara dos Deputados (PLP 149/2019) era mais compatível com a dramática realidade brasileira, razão pela qual contou com a adesão declarada do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) e da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).

Depois de idas e vindas entre as duas Casas, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, aprovado pelo Senado Federal, passou a impor condições de acesso aos recursos, algumas das quais injustificáveis em face da natureza da crise. É o caso, por exemplo, da vedação à contratação de pessoal, inclusive por meio de concurso público, mesmo que haja necessidade de reforço nos quadros da administração pública nas diversas áreas de atuação estatal.

No fim das contas, o Senado acabou por incorporar o fiscalismo “austericida” do ministro Paulo Guedes, fundado no dogma neoliberal que vê o Estado como um mal a ser exorcizado, o mercado como um bem supremo a ser expandido e o servidor público como um fruto do pecado estatal a ser excomungado. Condicionar a entrega de ajuda financeira a estados e municípios a medidas como o congelamento salarial dos servidores públicos por quase dois anos e a proibição de contratação de pessoal, num momento de tantas urgências, principalmente a de salvar milhares de vidas, é irrazoável e injusto.

Economistas de diversas correntes de pensamento passaram a defender propostas interditadas no debate público antes da pandemia, como a impressão de dinheiro para gerar poder de compra ao Estado. Além disso, vêm demonstrando inédita concordância quanto à necessidade de desmentir a versão falaciosa de que não tem dinheiro e de apontar a importância de garantir um robusto auxílio financeiro a estados e municípios, na contramão da política de Guedes.

A crítica mais dura veio recentemente de um grupo de economistas, entre os quais Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Mônica De Bolle, que denuncia que o apego às regras fiscais em vigor, “em meio a uma calamidade sem precedentes, equivale a mentir para a população e para os estados e municípios”.

Enquanto o pacote sugere que os servidores públicos sejam responsabilizados pela salvação da economia do país a pretexto de que “todos devem dar a sua cota de sacrifício”, nenhuma medida (do Executivo ou do Legislativo) se viu até agora para cobrar contribuição mínima que seja dos detentores de renda e riqueza multimilionárias. Veja-se o caso dos 206 bilionários brasileiros detentores de fortuna superior a R$ 1,2 trilhão, que seguem intocados, incólumes.

A declaração do ministro Paulo Guedes de que o congelamento salarial dos servidores era necessário para garantir ajuda a estados e municípios é, sem meias palavras, daquelas mentiras a que se referiram Belluzzo e De Bolle. Além de falsa, mais uma demonstração de desapreço do ministro pelos funcionários públicos do país. Mas, apesar do congelamento, estou convencido de que a questão mais preocupante diz respeito ao tamanho do auxílio financeiro a estados e municípios. É a questão mais grave a mobilizar os servidores e a sociedade por afetar o serviço público como um todo e reduzir a capacidade dos estados e municípios de enfrentarem a pandemia e salvar vidas. Preparemo-nos para o caos, choremos por mais vidas perdidas.
 
 
* Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) 

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