Opinião

Artigo: Ainda mais indefesos

Relatório estima que, no mundo, até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão ser vítimas de violência doméstica nestes próximos três meses

Correio Braziliense
postado em 23/05/2020 04:05

Relatório estima que, no mundo, até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão ser vítimas de violência doméstica nestes próximos três mesesÀ primeira vista, a notícia parece alentadora: segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o número de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes teve uma queda de 19% em abril deste ano, em comparação com o mesmo mês de 2019. Foram 6 mil registros pelo Disque 100, contra 7,4 mil no ano passado. Esses dados, porém, trazem a aterradora suspeita de que a diminuição se deve ao fato de as vítimas estarem em isolamento social com os algozes nesta pandemia do novo coronavírus.

O ouvidor nacional de direitos humanos, Fernando César Ferreira, chamou a atenção para essa terrível perspectiva. “Nossa preocupação é o que vamos descobrir no pós-pandemia, quando as crianças voltarem às suas rotinas normais, se relacionando com outras pessoas e contando sobre o período de confinamento, quando elas estiveram convivendo ainda mais com o agressor”, afirmou. Como mostram dados do órgão, a violência sexual acontece, em 73% dos casos, na casa da vítima ou do suspeito, e é cometida por pai ou padrasto em 40% dos episódios.

O isolamento social — necessário para conter a maior disseminação do vírus — não significa, por conseguinte, segurança para todos. Ao contrário. Deixa meninos e meninas ainda mais à mercê não só de violência sexual como de agressões físicas e psicológicas.

O drama deles é salientado também por instituições internacionais. A ONG World Vision publicou relatório estimando que, no mundo, até 85 milhões de crianças e adolescentes, entre 2 e 17 anos, poderão ser vítimas de violência doméstica nestes próximos três meses. Para o Brasil, a projeção é de aumento de 18% de denúncias.

Afastada de escolas e creches, locais imprescindíveis para a detecção de abusos, a faixa mais vulnerável da população tem menos condições de pedir ajuda. Em entrevista à BBC News Brasil, Luciana Temer, diretora-presidente do Instituto Liberta, explicou o papel do professor nesse socorro. “Ele é um adulto que pode perceber esse tipo de situação, seja por uma marca física, seja por uma mudança no comportamento ou até mesmo por uma denúncia da criança. Sem ele, hoje essas vítimas ficam impossibilitadas de se encontrar com alguém fora do ambiente familiar”, lamentou.

É fato, portanto, que o distanciamento social tornou ainda mais difícil a revelação de abusos, mas vizinhos ou parentes que souberem ou perceberem a violência podem denunciar tanto em delegacias quanto pelo Disque 100, app Direitos Humanos ou no site da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que funcionam 24 horas, inclusive em feriados e fins de semana. Ignorar o sofrimento de meninos e meninas é ser conivente. Todos nós somos responsáveis pela proteção deles.
 
 
 
 


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