Opinião

Artigo: Vá pra casa, Weintraub

Correio Braziliense
postado em 24/05/2020 04:13
Ainda estou por aqui à procura de uma expressão qualquer que possa definir ou resumir a reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Por mais rica que seja a Língua Portuguesa, eu arrisco dizer que poderíamos inventar uma nova palavra. Grotesca, esdrúxula, surreal talvez não definem bem. Vejo ali, além de indícios de alguns crimes a serem apurados, um rico conteúdo para alguém reescrever Satíricon à moda brasileira.

Tal como a obra-prima que virou filme de Fellini, escrita em 63 d.C. por Petrônio (muito provavelmente o sujeito que organizava os banquetes de Nero), a nossa versão mesclaria passagens cômicas e trágicas da narrativa da ultradireita brasileira. Um verdadeiro banquete, senhores.

Vou me referir a um comensal em particular: o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Esse senhor chegou de algum lugar do passado. Lá, a ordem era ser verborrágico. Podia maltratar a Língua Portuguesa e a Bíblia, ignorar etnias e povos, desrespeitar quem não comungava de sua visão preconceituosa de mundo. Afinadíssimo com o discurso ideológico do presidente Bolsonaro, parece seduzido pela opulência de um poder que, de fato, ele não tem.

Weintraub certamente dormiu com um problema maior do que os outros ministros. Em seus melhores sonhos, estava apenas agradando ao chefe com mais um discurso virulento, cheio de ódio e sem raiz na realidade — só mais um, igual a tantos. Mas, ao chamar os ministros do STF de vagabundos e de sugerir a prisão deles, pediu licença aos outros comensais e assumiu a cabeceira da mesa. Sabe aquele que paga a conta antes e se retira de fininho?

Poderia voltar rápido de onde veio, antes mesmo de ser expulso. Afinal, sua visão de Brasília é “extremamente negativa”. Quer “acabar” com a cidade. Disse o ministro: “Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio”. E mais: “Brasília é muito pior do que eu podia imaginar. As pessoas aqui perdem a percepção, a empatia, a relação com o povo, se sentem inexpugnáveis”.

Não sei exatamente de que pessoas ou de que cidade ele está falando. Também é difícil tentar reconstruir a sua cidade imaginária. Talvez com palácios, vassalos por toda parte, bobos da corte a lhe animar o espírito, comunistas enforcados, bruxas queimadas. Exageros à parte, muito provavelmente Weintraub criou sua visão de Brasília a partir dos gabinetes que frequenta. Ironicamente, enquanto dizia que as pessoas daqui perdem a empatia e a relação com o povo, ele participava de uma reunião que ignorava os sinais devastadores do coronavírus no país. À época, o Brasil registrava quase 3 mil mortos pela covid-19 e mais de 45 mil casos.

No nosso Satíricon moderno, enquanto o presidente e os ministros se preocupavam em prender governadores, atacar o STF, passar absurdos contra o meio ambiente e interferir nas polícias para proteger familiares e amigos, o Brasil caminhava para ser o segundo lugar do mundo com mais casos de coronavírus: hoje, são mais de 20 mil óbitos e quase 350 mil infectados! A cúpula do governo deveria se ocupar de questões mais nobres, não é? Mesmo você que acredita que a montanha pariu um rato, que as provas apontadas por Sergio Moro não se sustentam, deve ter sentido uma pontada de vergonha ao ver esse triste espetáculo. Ou não?

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