Opinião

A ofensa da indiferença

Correio Braziliense
postado em 25/05/2020 04:29

No último dia 8, comemorou-se os 75 anos do fim da II Guerra na Europa, desta vez, com menos pompa do que nos aniversários anteriores, devido à pandemia. Mas não passou em branco: França, Reino Unido e Estados Unidos homenagearam mortos e veteranos ainda vivos. Mesmo na Alemanha, houve espaço para memória: em Berlim, que caiu para os então soviéticos, que hastearam a bandeira vermelha com a foice e o martelo na fachada do Reichstag, o feriado foi de recolhimento e meditação.


O Brasil faz parte dessa vitória com os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). A tomada de Monte Castelo é o cume de uma campanha liderada pelo então general Cordeiro de Farias, sob as ordens do general americano Willis Crittenberger, linha reta para o general Mark Wayne Clark. Nos céus, a rapaziada do Senta a Pua abria caminho com ataques ao solo desferidos pelos imponentes “Jug” P-47.


Sob qualquer ponto de vista, é uma página gloriosa –– mas ignorada solenemente por um governo repleto de militares, chefiado por um presidente que sempre exalta sua formação no Exército. No último dia 8, uma sexta-feira, não se soube de uma única nota do Ministério da Defesa em comemoração ao fim da II Guerra na Europa.


Da mesma forma, não se viu, da parte de Jair Bolsonaro, qualquer menção à contribuição do Brasil na derrota do nazifascismo. Nenhuma homenagem foi feita naquele final de semana, cerimônias não aconteceram. A Esquadrilha da Fumaça não sobrevoou a Esplanada dos Ministérios, pintando os céus de verde e amarelo, tal como fazem os franceses com o vermelho, o azul e o branco sobre o Champs Elysées.


O silêncio sobre a participação brasileira na II Guerra deu lugar a uma calhordice golpista, que emporcalhou a Esplanada e envergonhou os brasileiros civilizados e ciosos da sua história. Bolsonaro não compareceu a mais essa carreata reacionária, mas, à tarde, divertiu-se de jet ski no Lago Paranoá, deixando-se fotografar e filmar por uma renca. O VE-Day, que pracinhas e pilotos ajudaram a forjar, não representa coisa alguma para um governo que enche a boca para dizer que é “Brasil acima de tudo”.


O referencial dos atuais palacianos não são os combates em Collecchio ou Fornovo di Taro, e o heroísmo de soldados mal formados, mas dispostos a pôr fim à barbárie. Esses não merecem exaltação, o que contrasta com o amparo dado a personagens que mancharam a farda que vestiram. Brilhante Ustra e Sebastião Curió têm o nível de um Sérgio Paranhos Fleury, que exerceram a “bravura” contra adversários subjugados e manietados.


Pensava-se que o desprezo pela memória, neste governo, fosse dirigido apenas aos grandes nomes da nossa cultura, como João Gilberto, Abrahan Palatinik, Rubem Fonseca e Aldir Blanc. Com o esquecimento do dia 8 de maio, vê-se que não é.

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