Correio Braziliense
postado em 27/05/2020 04:05
Cena 1. Eixo Monumental, Brasília. Olhos esbugalhados, sem máscara, o homem começa a gritar descontroladamente. “Lixo, bosta! Divulga a verdade! Vocês estão se f...”. A verborragia tem alvo direto: jornalistas. Cena 2. Palácio da Alvorada, Brasília. Dias atrás, o presidente manda um repórter calar a boca. Antes, perguntara a outro se a mãe do comunicador tinha passado recibo para o pai. Cena 3. Barbacena (MG). Cinegrafista é xingado, espancado e golpeado com o tripé da própria câmera durante reportagem sobre militares infectados com o novo coronavírus. Cena 4. Diante do Palácio do Planalto. Repórter grava entrada quando mulher, entre sorrisos, a atinge com uma bandeira. Não são atos isolados. As agressões desarrazoadas se inspiram na retórica do presidente e escancaram quase que um comportamento de seita, em que qualquer ameaça aos seus dogmas precisa ser mitigada ou eliminada.
Uma sociedade com mordaças na imprensa ou ameaça a jornalistas é meio caminho para o autoritarismo fascistoide. A imprensa é o mecanismo que auxilia qualquer democracia a funcionar o sistema de “freios e contrapesos”, o qual impede exageros, desmandos ou desatinos do governo. Também é base para o Estado de direito. Afinal, uma sociedade bem informada sobre as ações dos governantes e sobre eventuais escândalos de corrupção consegue fazer escolhas sensatas e sólidas. Também pode se mobilizar, exercer a faculdade constitucional da liberdade de expressão e de associação, fazer valer o conceito mais puro de cidadania. Se for o caso, ir às ruas e exigir mudanças, de forma ordeira e civilizada.
A decisão dos principais veículos de imprensa do país — incluindo este Correio — de não mais enviarem profissionais para o “cercadinho” do Palácio da Alvorada é uma legítima preocupação com a integridade de profissionais vistos como inimigos pelo poder. Também soa como um basta às ofensas lançadas pelo chefe de Estado, enquanto sua claque aplaude efusivamente o que deveria ser digno de apupos. Há tempos, a liberdade de imprensa não esteve tão ameaçada. A manipulação das massas turvou a visão de muitos sobre o papel do jornalista. Fanatismo cega, distorce o senso comum e vilipendia os mais nobres valores de liberdade e de fraternidade. A mistura explosiva de religião e política também é fio condutor na estreiteza de visão do mundo.
Para assegurar a integridade física aos profissionais da imprensa, o veto à cobertura no “cercadinho do Alvorada” soa, ainda, como aviso ao chefe de Estado. Em qualquer regime democrático, o respeito ao jornalismo é ponto tácito. Não apenas questão de decoro ou de liturgia do cargo. Inclui civilidade, educação e o entendimento de que uma sociedade precisa e merece ser bem informada, sem sofismas, sem meias-verdades e sem fake news.
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