Opinião

Reconhecer o trabalho do SUS

''O SUS é um sistema baseado nos justos princípios de universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação social, garantindo o direito de todos à saúde, indistintamente''

Correio Braziliense
postado em 28/05/2020 04:05
É como se estivesse escrito nas estrelas. Há 32 anos, no dia 22 de novembro, quando a Constituição de 1988 foi proclamada, no artigo 196 estava registrada a criação do Sistema Único de Saúde, identificado pela sigla SUS. Certamente, ao propiciar abreviatura tão sonora e fácil de memorizar, os constituintes não tinham em mente qualquer alusão à interjeição sus, que, aliás, está em desuso. Por ironia, seu conteúdo está se revelando contemporâneo e crucialmente atual diante do novo coronavírus. O dicionário ensina que a palavra embute apelo encorajador, um grito de esperança, uma convocação ao bom combate. Coragem! Ânimo! É o que nos quer dizer.
 
Se o SUS e seus inúmeros braços essenciais, dos quais o Samu (Serviço de Assistência Médica de Urgência) é admirável representação, não existissem, nem um exército de religiosas assemelhadas à Madre Tereza de Calcutá daria conta de atender aos quase 400 mil casos confirmados da covid-19 e 25 mil mortes decorrentes da doença no país, números aproximados registrados pelo Ministério da Saúde até ontem.

Sem ele, o que faríamos com as dezenas de milhares de infectados? No fundo, a presença do SUS de certo modo lembra o brado do almirante Francisco Manuel Barroso da Silva (1804-1882) na vitória de Riachuelo, na Guerra do Paraguai: “Sustentar o fogo, que a vitória é nossa”. Proclamação menos conhecida do que a famosa frase dele no mesmo combate — “Quem for brasileiro, siga-me! —, que parece mais apropriada quando o SUS mantém embates que, ao lado de elevadas perdas, salvam vidas: cerca de 155 mil superaram a doença.
 
Permito-me aqui abrir parênteses para mencionar um contingente pouco, ou quase nada, lembrado. Ao lado de médicos, enfermeiros, pesquisadores e pessoal de serviços de apoio em hospitais, UPAs, consultórios e pesquisadores, 7,6 mil jovens estagiários e aprendizes estão ativos nas 2,8 mil organizações parceiras do CIEE, que atuam em todos os segmentos da área da saúde no país. Se, por lei, não podem cuidar do trato direto dos doentes (ação restrita aos profissionais credenciados), eles reforçam a retaguarda, atuando nas equipes administrativas, logísticas, financeiras — enfim, todas as envolvidas com o combate ao vírus.
 
Na nossa avaliação, ao vivenciar a capacitação prática num momento tão crítico, os jovens também recebem inspiradoras lições de ética, comprometimento e respeito aos juramentos profissionais propiciadas principalmente pelas equipes do SUS. Além disso, terão papel a desempenhar no futuro, quando se alinharem à defesa do SUS como eixo básico da saúde pública e, dentro da nova visão, merecedor tanto de elogios quanto de maior respeito e apoio por parte de governantes e brasileiros em geral.
 
O SUS é um sistema baseado nos justos princípios de universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação social, garantindo o direito de todos à saúde, indistintamente. Foi necessário o transe atual para compreendermos o valor dessa confortadora jabuticaba. Sim, porque o SUS, à semelhança da doce frutinha de nossas matas, é próprio daqui. E nunca foi suficientemente reconhecido, talvez devido à raiz histórica desfavorável. Desde os tempos de colônia, nossa saúde pública foi marcada pela filantropia religiosa de origem medieval que, embora meritória, não é legitimada como instituição do Estado.

A rigor, é de suspeitar que esse viés tenha sido confundido pelas camadas sociais mais bem-supridas, adeptas da medicina privada — conforme ocorreu nas variadas tentativas de estabelecer uma política séria de saúde pública. Isso talvez explique porque o SUS, à falta de maior apoio das forças que pesam na administração pública, frequentemente patinou no quesito da qualidade, com seu potencial camuflado pela má gestão e pela corrupção ao longo das décadas.
 
E, por isso, injustamente, transformou-se numa espécie de Geni política, a mulher da canção de Chico Buarque, carro-chefe do musical Ópera do malandro, de 1978, em quem atiravam pedras e outras coisas. Mas que, quando o gigantesco zepelim aportou na cidade ameaçando destroçá-la, foi quem, com suas deficiências, vulnerabilidades e falatórios, conseguiu salvaguardar a população.

Nestes tristes dias, ouvimos inéditos elogios ao SUS. O seu logotipo, a cruz azul, é visto como espécie de estrelinha de Belém. Resta torcer para que, após a pandemia, o SUS não volte a ser desconsiderado como aconteceu com a Geni da canção do Chico.

* CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) 

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