Opinião

Artigo: A guerra é uma só

''O Brasil não tem repertório nem seriedade para lidar com uma crise sanitária dessa proporção. Essa fatura, para ser justa, não é de todos os brasileiros. Pagamos e pagaremos a conta por nossas escolhas erradas, mas há algo que nos redime: a capacidade de resistir mesmo em cenários muito adversos''

Correio Braziliense
postado em 31/05/2020 04:00
''O Brasil não tem repertório nem seriedade para lidar com uma crise sanitária dessa proporção. Essa fatura, para ser justa, não é de todos os brasileiros. Pagamos e pagaremos a conta por nossas escolhas erradas, mas há algo que nos redime: a capacidade de resistir mesmo em cenários muito adversos''Estamos no caminho para contar 30 mil mortos por coronavírus no Brasil (se levarmos em conta a subnotificação, já passamos disso). Mais do que uma estatística brutal, essa contagem absurda indica que fracassamos. O Brasil não tem repertório nem seriedade para lidar com uma crise sanitária dessa proporção. Essa fatura, para ser justa, não é de todos os brasileiros. Pagamos e pagaremos a conta por nossas escolhas erradas, mas há algo que nos redime: a capacidade de resistir mesmo em cenários muito adversos.

Existem duas coisas que, agora, nos movem para a trincheira da resistência: a pandemia e a democracia. A primeira já é uma derrota; a outra é a única vitória que, de fato, podemos comemorar na nossa história política. Dito isso, devemos considerar, a partir de agora, que a batalha é uma só. A defesa da vida é, hoje, a defesa da democracia. Ou você acha que estamos falando de coisas diferentes? Basta lembrar que o Ministério da Saúde está sob um comando militarizado subserviente às ordens de um governo negacionista, que despreza a ciência. Conduzir a boiada pode ser fácil; salvar o rebanho é questão de outra ordem.

Sem apoio federal e sem uma política única e nacional de enfrentamento à pandemia, governadores vão cedendo às pressões e promovem abertura no momento em que as mortes só aumentam. Muitos de nós, hoje, estamos trancados em casa, isolados ou chorando nossos mortos. Assistindo, atônitos, a um governo eleito negar todas as evidências científicas, criar um enredo próprio e gastar toda a sua energia para defender interesses de seus integrantes e financiadores.

O governo Bolsonaro e seus apoiadores criaram um dicionário político particular. Independência entre poderes, autonomia e liberdade de expressão ganham interpretação distante da realidade. Basta ouvir atentamente os discursos de ministros, os brados dos simpatizantes, a verborragia e as ameaças das milícias digitais e do clã Bolsonaro. Acham que podem tudo, mas, sinto muito, crianças, vocês não podem. Birra na sala de casa é uma coisa; xingamentos despropositados dentro do Palácio do Planalto é outra.

Infelizmente, há verdades inconvenientes que precisam ser aceitas: fake news é fraude, crime, dolo; e liberdade de expressão, inegável conquista da democracia — aliás, só existe sob esse tipo de sistema político —, não admite o vale-tudo, não comporta ameaças de nenhuma natureza; quando viola a lei, também torna-se crime. Liberdade de expressão exige responsabilidade, não se confunde com direito à ofensa, à calúnia, à difamação, à ameaça. Ninguém está acima da Constituição. Quem quer que a afronte está sujeito a responder pelas violações ao estado democrático de direito. Do guarda da esquina aos chefes dos mais altos poderes da República.

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