Opinião

Opinião: ''Não posso respirar''

''A morte de George detonou a maior revolta antirracial dos Estados Unidos desde que um tiro calou para sempre Martin Luther King, ícone da luta contra a segregação, em 1968''

Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:13
Nove minutos. Foi o tempo em que George Floyd, um cidadão negro de 46 anos, levou para morrer asfixiado, enquanto o policial branco Derek Chauvin ajoelhava-se sobre seu pescoço, em 25 de maio passado. Por repetidas vezes, George gritou: “Por favor, não posso respirar; meu estômago dói, meu pescoço dói; eles vão me matar”. Foi ignorado, até que perdeu a consciência e a vida. As últimas palavras dele ecoaram da Califórnia ao Maine, das margens do Rio Mississippi às Montanhas Rochosas. A morte de George detonou a maior revolta antirracial dos Estados Unidos desde que um tiro calou para sempre Martin Luther King, ícone da luta contra a segregação, em 1968. De punhos cerrados, ajoelhados no chão, milhares de brancos e negros norte-americanos se uniram em protesto. Em gesto surpreendente, policiais de várias cidades se uniram aos manifestantes. Em alguns locais, para coibir reações violentas da polícia, uma linha de brancos se interpôs entre as forças da ordem e os negros.

Os Estados Unidos foram sacudidos por um terremoto de proporções enormes e de consequências ainda imprevisíveis. Décadas de opressão, de intolerância e de um sistema de Justiça cuja balança sempre pendeu a favor dos brancos, ficaram entaladas na alma de milhões de norte-americanos. Foram expulsas por meio do sentimento expresso nas ruas. Ao invés de fazer um apelo por moderação e calma, o presidente Donald Trump encarnou o incendiário.

Ordenou aos governadores que reprimam os protestos, caso contrário serão “um bando de idiotas”, e ameaçou enviar “milhares de soldados totalmente armados” a Washington. Também alertou que as ruas se tornaram palco para o terrorismo doméstico. De olho na reeleição, em 3 de novembro, fechou olhos e ouvidos para um problema estrutural e complexo e licenciou a violência.

As palavras de Martin Luther King também sopram do National Mall, em Washington, onde proferiu o famoso discurso de 1963, rumo aos quatro cantos dos Estados Unidos. King disse que “a revolta é a linguagem dos ignorados” e que “não existe paz sem justiça”. Seu sonho de que, um dia, os quatro filhos sejam julgados não pela cor da pele, mas pelo caráter, parece distante em uma sociedade intolerante. Um país onde cruzes ainda são acesas pelos encapuzados da Ku Klux Klan, que apregoam o ódio racial e tratam outro ser humano como bicho.

“Não posso respirar.” O último suspiro de George Floyd pode ter dado fôlego a cidadãos cansados de se sentirem oprimidos em uma nação ultraconservadora, liderada por um presidente de extrema-direita. Também fez ressurgir o legado de King em busca de uma sociedade igualitária e fraterna. Não há divisão entre negros e brancos; todos somos parte de uma mesma raça, a humana. E cabe a nós construir uma convivência de paz e harmonia. Devemos isso a King, a Floyd e a tantos outros cidadãos que tiveram a vida ceifada apenas por sua cor da pele. Queremos respirar um futuro melhor.





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