Correio Braziliense
postado em 03/06/2020 04:14
Na exortação ao ministério feita no Palácio do Planalto em 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro conclamou os brasileiros a se armarem. Disse S. Exa.: “Eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme!” Durante os debates sobre o Estatuto do Desarmamento, quando a nação foi ouvida em plebiscito, publiquei artigo a propósito do polêmico assunto.Sustentei o direito que o cidadão deve ter de optar entre ser ou deixar de ser proprietário de arma de fogo destinada à defesa pessoal. Pertenço à época em que era comum o pai de família manter em casa revólver de calibre 32 ou 38, escondido no gaveteiro da cômoda. Sitiantes e fazendeiros adquiriam espingarda de dois canos para caça ou proteção da propriedade.
Ao refletir, porém, sobre o insólito desejo do presidente Bolsonaro, ocorreram-me perguntas sobre a natureza e o papel do povo arregimentado em milícias. Por definição, milícia é qualquer grupamento armado e indisciplinado não integrante das Forças Armadas. O Brasil é inexperiente na matéria.
Bandos armados eram os cangaceiros de Corisco e Virgulino Ferreira, o Lampião. São exceções os milicianos do Rio de Janeiro, que cobram taxa de proteção aos moradores das favelas. Miliciano não se sujeita aos princípios de hierarquia e disciplina. É criminoso comum combatido pela polícia.
Voltando à fala do presidente Bolsonaro, pergunto como o povo se armará? Adquiridos pelas vias legais, a pistola ou o revólver nacional custarão entre R$ 3 mil e R$ 10 mil. Com a munição e o registro, as despesas serão maiores. Podem chegar a R$ 15 mil. Armas longas, de grosso calibre, como o fuzil AR-15, ficam em torno de R$ 20 mil.
Com baixo poder aquisitivo, como o povo vai adquirir armas e munição como ordena o presidente? Qual a porcentagem da população em condições de ter acesso a armas potentes e de se submeter a treinamento intensivo? Como dispor de local seguro para guardá-la à prova de curiosos e de assaltantes?
A pergunta que se segue é contra quem? Os alvos seriam o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, partidos de oposição, jornalistas independentes, artistas, advogados? O presidente Jair Bolsonaro não tem inimigos armados. A facada foi ocorrência ocasional, cometida por delinquente insano. Ao longo do regime militar, reduzidos grupos praticaram atentados, tentaram ocupar a Serra de Caparaó e o norte do Pará, na região de Tocantins.
Foram cercados e dizimados. Entre os líderes, à exceção de João Amazonas, não restou um só vivo. Jovens e ingênuos estudantes secundaristas e universitários tentaram o sonho impossível: atrair o apoio de sertanejos para derrotar as Forças Armadas. Pela temeridade, pagaram com a vida.
Os inimigos reais são outros. Além da pandemia do coronavírus, a crise econômica, a derrocada de grandes, médias e pequenas empresas, 13 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados e outros tantos subocupados, trabalhadores informais e autônomos. Acrescente-se a falta de moradia, de educação, de saúde, de segurança pública, de saneamento básico. O elenco é vasto.
Sobre a economia, o presidente se esquivou de falar. Passou a palavra ao ministro Paulo Guedes. Entre palavrões impublicáveis, já divulgados e que me abstenho de reproduzir, declarou ao país e ao mundo: “O governo quebrou! O governo quebrou! Em todos os níveis. Prefeitura, governador e governo federal”. Omito as referências desairosas ao Banco do Brasil, sociedade anônima de capital aberto com ações na Bolsa de Valores, cujo nome deveria ser preservado pelo ministro da Economia.
O Brasil enfrenta graves turbulências. É impossível prognosticar o amanhã. O presidente Jair Bolsonaro não consegue administrar com serenidade. Insiste em fomentar o conflito. Toma como agressões pessoais manifestações de integrantes do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Adota, enfim, conduta incompatível com a postura equilibrada que se espera do chefe do Poder Executivo.
O governo deve saber que a Constituição é intocável. Não é simples caderno ou pequeno maço de folhas de papel. Paira acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Pode ser emendada, desde que observadas normas constitucionais. Será liminarmente recusada emenda que vise abolir a forma federativa do Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais. Fechar o Legislativo e calar o Poder Judiciário será golpe militar. Voltaremos a 1964 e aos atos institucionais.
* Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST. É autor de 30 anos de crise - 1988 - 2018
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